Um ano charneira em que Woody Allen coexistiu com Travolta
Em 1977, Hollywood produziu filmes de grande espetáculo e também – a revelação do ano foi John Travolta
Encontros Imediatos do Terceiro Grau, Spielberg obteve a sua primeira nomeação para melhor realizador
MEMÓRIA É bem verdade que 1977 ficou como um ano charneira na evolução da produção cinematográfica americana. Para além dos filmes bons ou maus que foram feitos, importa sublinhar o facto de as suas memórias envolverem uma espantosa variedade de produção.
1977 é o ano de objetos de grande espetáculo como
Encontros Imediatos do Terceiro Grau, A Guerra das Estrelas ou Uma Ponte Longe Demais, filme de guerra coproduzido com a Grã-Bretanha, realizado por Richard Attenborough. Mas é também a época da ironia romântica de Annie Hall, deWoody Allen, ou desse requiem pela tradição do género musical que é New York, New York, de Martin Scorsese.
Em 1975, o sucesso de Tubarão, de Steven Spielberg, tinha dado origem à idade dos blockbusters (que, convém lembrar, se prolonga no presente). Dito de outro modo: os grandes estúdios da indústria iriam investir cada vez mais em produtos de rápida rentabilização, mais ou menos ligados a modelos fantásticos e de aventura.
Os efeitos de tal transformação ainda não seriam muito claros, até porque a paisagem criativa envolvia os mais sedutores contrastes, integrando ainda alguns nomes incontornáveis do classicismo de Hollywood. Foi em 1977, por exemplo, que Fred Zinnemann dirigiu Julia, com Jane Fonda e Vanessa Redgrave. Como contraponto, encontrávamos David Lynch a estrear-se na realização, com Eraserhead. Isto sem esquecer que um dos fenómenos de popularidade do ano seria um jovem praticamente desconhecido, de seu nome John Travolta: ao protagonizar Febre de Sábado à Noite, de John Badham, Travolta transformava-se numa estrela planetária, assumindo uma personagem enraizada, não nas novas aventuras mais ou menos intergalácticas, mas ainda numa certa tradição de realismo social.
Foi também o ano em que se estrearam intérpretes como Meryl Streep (Julia), Sigourney Weaver (Annie Hall) ou Mel Gibson (Summer City, produção australiana). No dia de Natal de 1977 morreu Charlie Chaplin. J.L. PRÉMIO Com oito nomeações,
seria apenas distinguido na categoria de melhor fotografia Manda a tradição que se diga que os filmes que, com a passagem do tempo, encontram um lugar central no imaginário cinéfilo nem sempre têm um reconhecimento significativo nos prémios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Assim aconteceu com Encontros Imediatos do Terceiro Grau. Aliás, o filme conseguiu um importante número de nomeações (oito), mas sem ser candidato ao Óscar de melhor filme do ano (que seria atribuído a Annie Hall, valendo também aWoody Allen o prémio de realização).
Steven Spielberg obteve, aqui, a primeira nomeação para melhor realizador: o seu primeiro Óscar nessa categoria seria atribuído por A Lista de Schindler (1993), o segundo por O Resgate do Soldado Ryan (1998). Encontros Imediatos do Terceiro Grau
acabaria por receber uma única estatueta dourada, na categoria de melhor fotografia, para Vilmos Zsigmond.
Muitas vezes descartada como uma categoria “técnica” (por oposição aos domínios “artísticos”, por exemplo no domínio da representação), a fotografia estava longe de ser, neste caso, uma matéria secundária. Aliás, em Hollywood, Zsigmond era já reconhecido como um dos mestres da luz e da cor. Nascido na Hungria, em 1930 (morreu em 2016), o seu nome, tal como o de Laszlo Kovacs, é indissociável dos documentários que, em 1956, registaram as convulsões estudantis e sociais contra o domínio da URSS.
Especialmente talentoso no tratamento das fontes de luz natural, Zsigmond assinara já alguns admiráveis trabalhos de direção fotográfica no cinema americano, com destaque para A Noite Fez-se para Amar (Robert Altman, 1971), Fim-de-Semana Alucinante ( John Boorman, 1972) e Obsessão (Brian De Palma, 1976). Um ano mais tarde, voltaria a ser nomeado graças a O Caçador (Michael Cimino, 1978), mas Encontros Imediatos do Terceiro Grau ficou como o seu único Óscar.
Para a história da Academia, 1977 é também o ano de um insólito recorde negativo: A Grande Decisão, drama romântico de Herbert Ross, teve onze nomeações, não obtendo qualquer distinção. Curiosamente, alguns anos mais tarde, a “proeza” seria repetida pelo próprio Spielberg: A Cor Púrpura (1985), adaptação do romance de AliceWalker sobre a existência dramática de uma mulher negra no começo do século XX, foi também nomeado em onze categorias, sem receber qualquer prémio. J.L.