A Suíça, a UE e a endogamia nacionalista
Ocrescimento dos populistas e nacionalistas na UE tem despertado velhos argumentos contra a unidade europeia, que julgávamos terem sido enterrados em 1945. Os nacionalistas reciclam a ideia de que a diversidade linguística, étnica e religiosa dos povos europeus é um obstáculo à sua unidade política. Apesar de a natureza já ter escolhido há muito os benefícios da exogamia sobre a endogamia, na criação de espécies e indivíduos mais robustos, os nacionalistas continuam a considerar a consanguinidade como uma vantagem e não como um perigo a evitar. Os defensores de uma política baseada na identidade biológica e cultural esquecem que a política é a arte da coabitação entre os muitos e os diferentes. Paradoxalmente, os nacionalistas encontram nalguns europeístas um estranho aliado. Sempre me pareceu absurdo afirmar que a União Europeia deveria assentar numa qualquer metafísica essência europeia, que ninguém consegue isolar objetivamente. O que a Europa precisa não é de um artificial supernacionalismo europeu, mas sim de um federalismo constitucional visando o futuro, que nos permita viver ao lado uns dos outros, partilhando responsabilidades, mas respeitando e protegendo aquilo que nos distingue.
Nesse sentido, a UE teria imenso a aprender com o federalismo suíço. Em 1847, depois de uma breve guerra civil entre cantões protestantes e católicos, os helvéticos elaboraram uma nova Constituição (1848), alterada depois em 1874 e 1999, que respeita o princípio fundamental que está contido numa frase que é atribuída a um famoso conselheiro federal, Jean-Pascal Delamuraz (1936-1998): “Os suíços entendem-se, precisamente porque eles não se compreendem.” Nessa frase genial reside o segredo de uma união de 26 cantões, com uma pluralidade religiosa e linguística formidável (o alemão, o francês, o italiano e o romanche são línguas oficiais). Até no período das guerras religiosas de Quinhentos, os suíços souberam entender-se, continuando sem se compreenderem.
A lição suíça para a UE indica que o federalismo de que os europeus carecem não implica um impulso de amor mútuo. Bem pelo contrário, o federalismo deverá alimentar uma tensão geradora de uma dinâmica vital entre a distância fundamental, que garante a liberdade, e a proximidade funcional indispensável, que permite a cooperação. Mais ainda, o federalismo europeu, jamais exigirá um “povo europeu”. Aliás, para podermos ter um termo comparativo, politicamente, também não existe um “povo americano”, pois o federalismo impede que os eleitores americanos se constituam como corpo eleitoral único. Mesmo quando elegem o seu presidente, os americanos fazem-no a partir dos seus círculos eleitorais estaduais, e por mediação do Colégio Eleitoral. O federalismo, como base do “entendimento“europeu integrará e disseminará o software político do republicanismo constitucional, tal como foi desenvolvido a partir das grandes revoluções liberais do final do século XVIII. Atendendo a que a UE é formada (ainda) por 28 democracias representativas, o federalismo consistirá, “simplesmente” no uploading da cidadania republicana e constitucional na esfera política europeia (ao contrário da não democrática lógica de diretório hoje prevalecente). Um governo federal europeu conviverá com os governos dos Estados membros. Não será a cabeça de um “superestado”. A sua principal competência será a de defender os direitos e liberdades de cada um e de todos os cidadãos europeus contra a tirania política e o despotismo dos mercados.
A Europa precisa de um federalismo constitucional visando o futuro, que nos permita viver ao lado uns dos outros