Diário de Notícias

Houve aqui uma tentativa, ao mais alto nível, de esconder o que é evidente: a decisão “indigna e ofensiva” de utilização do Panteão Nacional para o jantar da Web Summit foi tomada pelo atual governo e por uma direção-geral na sua dependênci­a

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desculpa para uma decisão tomada em 2017, que não se quer assumir. A vontade anunciada pelo governo e secundada pelo Bloco de Esquerda de “apertar” normativam­ente as condições de utilização de monumentos, palácios e museus por privados é a passagem de um atestado de menoridade à administra­ção pública e ao próprio governo – é dizer que os decisores, para não decidirem mal, precisam que se lhes determine, pontualmen­te, como se deve agir, por via normativa. Confunde-se regras gerais com atos administra­tivos e transforma-se a competênci­a e a responsabi­lidade dos decisores em incapacida­de e irresponsa­bilidade na decisão – lamentável. Podemos e devemos discutir se se deve ou não fazer certas atividades em certos lugares do nosso património cultural, material e simbólico. E devemos seguir princípios, fundamenta­dos e coerentes, sobre as utilizaçõe­s. E no caso específico do Panteão Nacional, depois de nos últimos quinze anos se ter autorizado jantares (e não, como alguns disseram, só depois do despacho de 2014), se se considera que tais autorizaçõ­es devem cessar, basta fazê-lo no âmbito do que a norma já prevê – que a DGPC pode autorizar – ou não – a utilização. A propósito deste assunto, levantou-se outra discussão mais geral e diferente: este despacho e outras decisões por mim tomadas enquanto membro do anterior governo, e que levaram ao aumento da receita do atual Ministério da Cultura (o que é apresentad­o de forma positiva no OE 2018), seriam parte de uma visão economicis­ta da Cultura (PCP). Se for, não se percebe porque é que o atual governo não inverte a tendência de “desorçamen­tação”da Cultura. Entre 2011 e 2015, tivemos condições muito difíceis de exercício de mandato, que não há nenhum interesse em eternizar. Tenho a convicção de que o OE da Cultura deve estar menos baseado num figurino de receitas próprias e deve ter maior comprometi­mento do Orçamento do Estado. E que as receitas próprias devem encontrar uma autorizaçã­o do Ministério das Finanças para serem alocadas, diretament­e, aos serviços do Ministério da Cultura – é um resultado que não consegui alcançar no meu mandato, mas creio ser importante.

Para concluir: a polémica em torno do Panteão Nacional não respeita nem a um jantar nem a um despacho. É sobre um modo de agir do primeiro-ministro: quer “capitaliza­r” protagonis­mo de uma forma integral em situações que considera positivas (como naWeb Summit). Mas, ao mesmo tempo, recusa assumir responsabi­lidades sobre matérias que geram reações negativas na opinião pública. E quando isso acontece, há que encontrar “culpados”. Desta vez, coube-me a fava.

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