Super-Homem, Batman & Cª voltam a salvar o planeta Terra
Os super-heróis voltam a defender a Terra em Liga da Justiça – o filme da DC Comics tenta combater domínio industrial da Marvel
O planeta dos super-heróis vive angustiado desde que, em 2016, em Batman v. Super-Homem: O Despertar da Justiça, assistimos à morte de Super-Homem... Ou talvez não... Em qualquer caso, o esclarecimento de tal dúvida seria um dos pontos enigmáticos de Liga da Justiça (estreia hoje), filme de Zack Snyder ruidosamente promovido como uma celebração dos principais heróis da DC Comics, incluindo Batman eWonder Woman. Seria, de facto... Acontece que, desde a divulgação do elenco até ao trailer do filme, passando pelas fotos promocionais, sabíamos do regresso de Henry Cavill como intérprete do lendário sobrevivente do planeta Krypton.
Qual é, então, a surpresa? Pouca ou nenhuma, infelizmente. Este modelo de filmes entrou numa lógica de sequelas repetidas e repetitivas, muito distantes da energia criativa do começo da sua “idade moderna”, iniciada com Batman (1989) e Batman Regressa (1992), ambos de Tim Burton.
Estamos, afinal, perante os efeitos mais grosseiros do conceito corrente de franchise, alicerçado em orçamentos ditirâmbicos (Liga da Justiça custou 300 milhões de dólares) cujos dramas de rentabilização ameaçam toda a estrutura de Hollywood. Com um detalhe que importa sublinhar: quem começou por chamar a atenção para o risco de “implosão” da indústria não foi nenhum crítico, antes dois cineastas não propriamente desconhecidos – Steven Spielberg e George Lucas –, num debate realiza-
do no dia 12 de junho de 2013 na Escola de Artes Cinematográficas da Universidade da Califórnia do Sul.
O mais desconcertante é a perda do gosto mais clássico de contar histórias. Liga da Justiça deixa-se resumir pela mais escassa sinopse. A saber: um exército de terríveis alienígenas, comandado pelo implacável Steppenwolf (Ciáran Hinds), prepara-se para conduzir o planeta Terra ao apocalipse... Enfim, não será preciso especular muito para adivinhar o que farão os heróis. O certo é que tudo isso se resolve com a previsível destruição de um sem-número de cenários digitais, aqui e ali “sustentado” por embaraçosos diálogos, capazes de transformar as situações mais trágicas em momentos involuntariamente anedóticos. Isto sem esquecer o subaproveitamento de intérpretes de invulgar talento, com destaque para Amy Adams, claramente à deriva no papel de Lois Lane, eterna “noiva” de Clark Kent. A guerra das franchises Na verdade, a guerra que os super-heróis estão a travar não é do mesmo teor daquelas que os fãs, entusiastas ou desiludidos, vão consumindo. As suas batalhas são financeiras – nos postos de comando estão os exércitos dos gestores da produção e especialistas do marketing. Dito de outro modo: Hollywood tornou-se o cenário de um confronto bélico entre os filmes da Marvel e da DC Comics. Liga de Justiça, com chancela da DC Comics, é apenas o mais recente capítulo desse conflito de muitos milhões de dólares.
Frente a frente estão o Marvel Cinematic Universe (MCU) e o DC Extended Universe (DCEU), precisamente os dois sistemas que gerem o património dos mais conhecidos heróis da banda desenhada. Digamos, para simplificar, que a Marvel vai na linha da frente. Desde Homem de Ferro (2008) até ao recente Thor: Ragnarok, passando pelos vários títulos com os Vingadores, o MCU tem-se distinguido por uma presença regular e agressiva nas salas de todo o mundo, mantendo ligações com diversos estúdios, com destaque para a Disney (consolidando, aliás, um novo universo de produção/distribuição, já que, em 2009, a Walt Disney Company adquiriu a Marvel Entertainment).
A DC Comics inaugurou a sua atual estratégia com Homem de Aço (2013), dirigido também por Snyder, rentabilizando a popularidade daquele que é o seu herói mais emblemático: Super-Homem. O impacto do filme não se repetiu em Batman v. Super-Homem: O Despertar da Justiça (2016), de novo com assinatura de Snyder. Em qualquer caso, sempre em ligação com a Warner Bros., o DCEU teve já este ano um dos seus sucessos mais significativos, WonderWoman, apontado por vários analistas americanos da indústria como um momento inovador, capaz de fazer evoluir a dinâmica global das aventuras de super-heróis (ler texto ao lado).
Não admira que o novo Liga da Justiça tenha sido descrito por alguns daqueles analistas (veja-se, por exemplo, a Forbes) como um teste importante: conseguirá a aliança Warner/DCEU relançar e “modernizar” a sua coleção de heróis? Na visão dos mais céticos, a questão coloca-se de forma bem diferente: estaremos a assistir ao fim de Hollywood como indústria de cinema, dando lugar a uma rotina de superproduções em que só cabem as derivações da BD e dos videojogos?
Tendo em conta o riquíssimo património acumulado por Hollywood ao longo de mais de cem anos, a pergunta gera outra: a concorrência Marvel/DC Comics vai criar uma paisagem de franchises sem qualquer relação com os valores artísticos e comerciais que, no começo do século XX, geraram a “fábrica de sonhos” da cidade de Los Angeles? Para já, a única consolação é que a Terra foi salva por Super-Homem e seus companheiros...
Em Liga da Justiça,o mais desconcertante é a perda do gosto mais clássico de contar histórias, resumindo-se a uma escassa sinopse