JOÃO LOURENÇO RETIRA PODER A FAMÍLIA DOS SANTOS
Presidente fez várias exonerações que culminam com a saída de Isabel dos Santos da Sonangol e de Tchizé e Coreon Du da TV pública. Oposição vê mudanças com naturalidade
Em março, Isabel dos Santos desmentia rumores que davam conta do fim da sua incursão na petrolífera estatal angolana. “Nós não somos parte do governo. Temos um mandato claro e vamos cumpri-lo”, disse à Reuters. À Bloomberg dissera que tencionava gerir a empresa até julho de 2020. Oito meses volvidos, e após uma primeira notícia de dia 3 – prontamente desmentida – que dava conta da exoneração da filha de José Eduardo dos Santos do cargo de presidente do conselho de administração da Sonangol, confirmou-se ontem que o novo presidente de Angola, João Lourenço, está a cortar os laços do Estado com a família do antecessor.
Perante críticas de nepotismo por parte da oposição, Isabel dos Santos tornou-se administradora da petrolífera em junho de 2016. Mas também recebeu elogios de peritos do setor do petróleo: acreditavam que a empresária tinha poder para encetar as reformas necessárias numa empresa que não se adaptou à queda do preço do crude.
Noutra entrevista à Reuters, a empresária explicou que a reorganização era um processo que poderia demorar até cinco anos. Os parceiros internacionais sentiram-se desiludidos e após as eleições as companhias petrolíferas que operam em Angola queixaram-se, através de uma carta, a João Lourenço. “Isabel dos Santos está fora e agora cabe à nova administração mostrar resultados num curto período de tempo, ou também perderá credibilidade”, disse fonte de uma empresa de petróleo em Angola à Reuters.
O presidente angolano não se ficou pela exoneração de Isabel dos Santos. Para já, José Filomeno dos Santos, gestor do Fundo Soberano de Angola, é o único filho de Eduardo dos Santos a não ser exonerado. Ao 50.º dia como chefe de Estado, Lourenço ordenou ao Ministério da Comunicação Social a retirada da gestão do segundo canal da Televisão Pública de Angola (TPA) às empresas Semba Comunicação e Westside Investments, propriedade de Tchizé ( Welwitschia) e Coreon Du (José Paulino) dos Santos, meios-irmãos de Isabel dos Santos.
Em comunicado, o ministério chefiado por João Melo informa que a emissão da TPA Internacional é interrompida até à sua reformulação. O novo conselho de administração da televisão pública vai nomear um jornalista para dirigir a TPA Internacional. João Lourenço, na cerimónia da tomada de posse dos novos órgãos administrativos da estação televisiva, na terça-feira, já deixara entrever mudanças no horizonte. “Um canal internacional que reflita de facto a realidade de Angola, que venda a imagem Angola, que mostre as suas belezas, que mostre sobretudo as suas grandes potencialidades, para que desta forma possamos atrair não apenas turistas mas sobretudo potenciais investidores”, disse Lourenço. Na cerimónia, na qual também foram empossados novos administradores dos restantes órgãos de comunicação públicos, o antigo general angolano defendeu a importância da liberdade de imprensa, e que sob esse direito os media “deem voz e deem espaço aos mais diferentes extratos sociais” e às “organizações da chamada sociedade civil”.
Estas foram as mais recentes exonerações de João Lourenço, que fez uma razia em vários cargos públicos, do Banco Nacional de Angola ao Secretariado Executivo do Conselho Nacional do Sistema de Controlo e Qualidade, às empresas de diamantes Endiama e Sodiam. MPLA fora do Estado Qual o significado e o alcance destas mudanças? “João Lourenço testou os limites do seu poder e está a fixar os limites muito para lá do que se pensava há pouco tempo. Muitos pensaram que iria imprimir um estilo próprio, mas que precisaria de muito mais tempo para ter essa margem de manobra”, comentou à Lusa o professor universitário Jonuel Gonçalves. Essa manobra passa por “tornar o Estado independente do partido [MPLA]” e por diminuir o poder de quem tem “uma influência política muito grande”.
Para Francisco Rasgado, diretor do jornal ChelaPress, a renovação da nova presidência resulta de um acordo com a anterior. “Contrariamente àquilo que se diz, ele [Lourenço] continua a ter uma relação cordial com José Eduardo. Acredito que estas mudanças que estão a ser introduzidas, nomeadamente esta que envolve a filha, tenha sido o resultado de uma concertação”, disse à Lusa. Ricardo Soares de Oliveira, professor em Oxford e especialista em Angola, afirmou que os tempos estão a mudar. “Já não são apenas mudanças cosméticas”, comentou ao Financial Times.
A oposição recebeu a notícia das exonerações sem surpresa. “Em democracia são processos normais”, disse o porta-voz da UNITA, Alcides Sakala, que destaca a necessidade de abertura do país, porque viveu “asfixiada naquilo que eram as liberdades fundamentais dos angolanos”. Já o vice-presidente da CASA-CE, Lindo Bernardo Tito, crê que Lourenço está apenas a colocar pessoas de confiança na administração. E critica o sucessor de Isabel dos Santos, Carlos Saturnino: “Será obviamente uma gestão danosa, tal como foi no tempo em que ele esteve lá também.”