Ester, a rainha das montanhas que brilhou no Evereste
A atleta portuguesa foi 2. ª classificada na mítica ultramaratona Everest Trail Race, depois de superar condições climatéricas extremas e um desnível acumulado de 29 mil metros
É portuguesa e foi uma das duas atletas ocidentais que deram luta à nepalesa Chhechee Sherpa Rai na mítica ultramaratona Everest Trail Race ( dura prova de 160 quilómetros), cuja sétima edição decorreu nos Himalaias, entre 5 e 17 de novembro. Ester Alves, 36 anos, ficou em segundo lugar e demorou 27 horas e 47 minutos para cumprir o percurso, mais 18 minutos do que a vencedora, numa prova que contou com 41 participantes ( 32 homens e nove mulheres). A atleta portuguesa surpreendeu ao vencer as duas primeiras etapas, mas depois veio ao de cima a maior capacidade de Chhechee Sherpa Rai, que corria em casa.
Para além do segundo lugar individual, com a melhor marca de sempre de um atleta ocidental, Ester Alves foi também segunda em termos coletivos, tendo feito equi- pa com o espanhol Jordi Gamito. No entanto, esta segunda posição soube a vitória, até porque ficou à frente da sueca Elizabet Barnes, a terceira colocada. “Nunca pensei fazer melhor do que ela, que era a grande favorita entre as ocidentais. Só para dar um exemplo, a Elizabet já ganhou a Maratona das Areias, disputada no deserto do Sahara... Ainda tentámos bater- nos com a Chhechee, mas foi impossível, dado o conhecimento que ela tinha do percurso. Mas fiquei extremamente satisfeita com a minha prestação”, contou Ester ao DN.
A atleta portuguesa surpreendeu ao ganhar as duas primeiras etapas, mas foi incapaz de acompanhar o ritmo de Chhechee Sherpa Rai. Refira- se que no setor masculino, sem surpresa, o vencedor também foi um nepalês, Suman Kulung Rai, seguido do espanhol Luis Alberto Hernando e do norueguês Sondre Amdahl. Para além de Ester Alves, houve outro português a participar, André Castro, que terminou em 15. º lugar. Carlos Lourenço, outro luso que também estava inscrito, não chegou a partir. Condições adversas O Everest Trail Race, com início e meta em Lukla, é uma das mais duras provas de montanhismo do mundo. Com um total de 160 km e 29 mil metros de desnível acumulado, divide- se em seis etapas, respetivamente de 22 km, 24 km, 37 km, 28 km, 20 km e 30 km. “Posso dizer que foi a prova mais dura em que já entrei, principalmente devido à questão do desnível acumulado. Correr com uma altitude de 4 mil a 5 mil metros não é obviamente a mesma coisa do que fazê- lo ao nível do mar. O batimento cardíaco e a respiração são muito afetados e tive de fazer um enorme esforço físico. Agora é tempo de recuperar e de ter a noção real do que aconteceu ao meu corpo”, referiu ao DN na quarta- feira, minutos de- pois de ter voltado a estar contactável para o mundo: “Cheguei agora mesmo ao hotel em Katmandu e estou a ver o telemóvel e a começar a responder às muitas mensagens que me enviaram.”
Uma das dificuldades acrescidas do Everest Trail Race é o facto de cada atleta ter de transportar todo o material às costas, nomeadamente saco- cama, kit de primeiros socorros, bússola e agasa- lhos. E se durante o dia a temperatura variava bastante – normalmente entre valores um pouco acima dos zero e os 18 graus –, à noite descia a pique. “Tivemos uma noite com 10 graus negativos e o frio no acampamento era tanto que algumas pessoas nem chegaram a adormecer. Eu felizmente consegui descansar um pouco”, revela.
De forma a estar o mais leve possível, Ester Alves acabou por passar bastante frio. “Temos de carregar tanta coisa que a primeira tentação é deixarmos de fora alguma roupa. Foi o que eu fiz, mas com uma altitude tão elevada, muito gelo e rochas acabei por passar por muitas dificuldades, mas faz parte… Eu, aliás, vinha preparada para tudo e com a noção de que este seria o mais competitivo Everest Trail Race de sempre, a avaliar pela opinião de pessoas que participaram em edições anteriores. Durante estes últimos anos trabalhei no duro de modo a estar preparada para um desafio como este”, confessou. Conciliar com a vida profissional A paixão pelo montanhismo foilhe transmitida pelo ultramaratonista Carlos Sá. “Sempre pratiquei desporto e o trail acabou por surgir na sequência desse gosto por uma vida saudável. Comecei por praticar e fui evoluindo de forma natural, até participar nestas grandes provas internacionais”, contou, reconhecendo que estas aventuras não são fáceis de conciliar com a vida profissional e pessoal. “O tempo não é muito. Faço investigação na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, direcionada para doenças degenerativas e recentemente fiz a defesa do projeto de tese de doutoramento. Por vezes, é complicado arranjar- se justificação para estar tanto tempo fora do país, mas até hoje tenho sempre conseguido conciliar a profissão com a vida de atleta. E há sempre tempo para tudo, nem que seja treinando muito cedo ou de madrugada”, garantiu.
Verdadeiro perigo de vida garante que nunca sentiu. “Já passei por muitas situações de risco, mas não posso dizer que já estive quase a morrer, até porque as organizações das provas acabam por proteger um pouco os atletas, não os colocando em situações de perigo extremo. Até me ponho mais em risco nos meus treinos e aí sim já estive em grande perigo, nomeada- mente com mudanças de clima muito bruscas”, explicou.
A participação no Everest Trail Race era há já algum tempo um dos grandes sonhos de Ester Alves. No entanto, a atleta portuguesa ainda tem muitos outros por concretizar: “Gostaria muito de entrar em provas de grande altitude nos Andes e gostaria de tentar outras provas nos Himalaias. Um dia, quem sabe…”
Ester Alves consegue conciliar a atividade de atleta de trail com a de investigadora na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto