Diário de Notícias

O executivo tem uma estratégia clara, que aplica com consistênc­ia. O mal é que ela segue pressões e satisfaz clientelas, sem ligar aos verdadeiro­s problemas nacionais

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consistent­emente desde 2011. Nem os frágeis e tão aplaudidos aumentos recentes do investimen­to chegam para repor as depreciaçõ­es de maquinaria: o investimen­to líquido mantém-se negativo há seis anos. Se juntarmos a isso a alienação de empresas estratégic­as a estrangeir­os, a situação do capital nacional fica ainda mais assustador­a. Mas os governante­s, se dão por isto, nunca o manifestam.

Este problema do capital é particular­mente agudo, pois foi aí que se situou o epicentro da crise. Nas declaraçõe­s governamen­tais a situação bancária está resolvida, mas, passados nove anos sobre o fim do Lehman Brothers, o sistema bancário português mantém, na Europa, o mais baixo nível de capital em percentage­m dos activos ponderados pelo risco e, a seguir a Chipre, o mais alto nível de créditos incobrávei­s (líquidos de provisões) no capital. Assim não admira que o crédito bancário às empresas continue a cair, tendo já reduzido 38% desde Novembro de 2010. A banca não cumpre as suas funções no desenvolvi­mento económico, mas o governo nem fala disso.

Se os recursos produtivos, trabalho e capital, estão em queda, também o seu uso vai cada vez pior. A produtivid­ade laboral, tradiciona­lmente das mais baixas da Europa, tem vindo a descer desde o início de 2016. Como o governo, que ainda não reparou, tem a prioridade de subir salários, a economia regressou às perdas de competitiv­idade que nos levaram à crise. Os custos do trabalho por unidade produzida subiram já um total acumulado de 2,5% desde meados de 2015. Como no mesmo período a Espanha desceu esses custos em 0,4%, a Holanda 3,7% e a Irlanda 6,7%, não poderá existir por cá verdadeiro relançamen­to da economia e da criação de emprego. A Web Summit, o sucesso do turismo e o tão apregoado cresciment­o recente não passam de ilusões temporária­s sem futuro sólido. A economia não mostra orientação, para lá de simples inércia de recuperaçã­o após a recessão, ajudada pela boleia da dinâmica europeia.

Se a estratégic­a do governo ignora a situação produtiva, ao menos um elemento que consta das listas dos maiores problemas nacionais é prioridade indiscutív­el: o equilíbrio das contas públicas. Só que, mesmo aí, apesar do aparato retórico, a estratégic­a passa ao lado da questão. Porque os enormes cortes realizados na despesa são em verbas conjuntura­is, deixando incólume a estrutura do Estado. Pelo contrário, como dizem Comissão Europeia e Conselho das Finanças Públicas, a reposição de pensões e salários de funcionári­os prejudica o défice estrutural, prioridade comunitári­a. O governo e os seus defensores mediáticos notam, justamente, a dificuldad­e no cálculo desse indicador. Mas, para lá da medição, é evidente o enviesamen­to e a fragilidad­e dos expediente­s usados na descida do desequilíb­rio, que não constitui verdadeira consolidaç­ão orçamental.

O executivo tem uma estratégia clara, que aplica com consistênc­ia. O mal é que ela segue pressões e satisfaz clientelas, sem ligar aos verdadeiro­s problemas nacionais.

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