Diário de Notícias

TESOUROS DA MADEIRA COM VISTA PARA O PÃO DE AÇÚCAR

O Museu Nacional de Arte Antiga apresenta uma viagem à Madeira dos séculos XV e XVI. Como a prosperida­de da cana de açúcar permitiu encomendas na Flandres

- LINA SANTOS

A visita à nova exposição do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), As Ilhas do Ouro Branco – Encomenda Artística na Madeira (Séculos XVXVI), pode deixar a sensação de que em qualquer igreja ou capela da ilha se pode encontrar obra de um grande pintor da Flandres. O comissário Francisco Clode de Sousa garante que é mesmo assim. “Ainda temos alguns casos de capelas muito pequenas e modestas cujo interior tem um esplendoro­so retábulo. Isso é uma forma de caracteriz­ar o que foi este apelo do século XVI e este deslumbram­ento pela importação de grandes obras de arte. Grandes em dimensão e grandes em qualidade.”

A encomenda coincide com uma época de prosperida­de económica, a do ciclo do açúcar, evocada na primeira das salas da galeria de exposições temporária­s do MNAA. É uma cápsula do tempo onde se procura lembrar o território por explorar que era a ilha quando foi descoberta (Porto Santo, 1418; Madeira, 1419) e a importânci­a deste ouro branco, ilustrados no jarro de purgar e no pão de açúcar, um bloco da matéria-prima que a Madeira exportava para toda a Europa. O seu desenho inscrito no brasão do Funchal até hoje. A forma é tal qual o Pão de Açúcar do Rio de Janeiro, o território para onde foram exportados estes engenhos e onde o êxito se repetiria, para mal das ilhas, que perderam o negócio (mas mantiveram as obras de arte).

“A ideia foi mostrar este contraste e a violência destas imagens e a capacidade de habitar e criar uma organizaçã­o administra­tiva e eclesiásti­ca e onde se ensaiou Portugal fora de si próprio. A Madeira é um balão de ensaio do que será o Portugal da expansão”, refere Clode de Sousa, diretor dos Serviços de Museus e Património da Madeira.

A ideia é notada também pelo diretor do MNAA, António Filipe Pimentel. “É para esse território que se expande a Europa, a partir de Portugal, testando soluções de organizaçã­o administra­tiva e eclesiásti­ca, que são depois aplicadas em grande escala no Brasil.” As capitanias são disso exemplo. A Madeira desse século divide-se em três partes: Porto Santo, por um lado; o Norte da Madeira, com capital no Machico; e o Sul, cuja cidade mais importante é o Funchal. Os território­s são liderados por capitães-donatários: Bartolomeu Perestrelo, Tristão Vaz Teixeira e Gonçalves Zarco, respetivam­ente.

É no último cartel do século XV que a produção e comércio do açúcar se impõe. “Com as consequênc­ias culturais que advêm”, relaciona Clode de Sousa, lembrando as 86 obras selecionad­as para esta exposição, oriundas do Museu de Arte Sacra da Madeira, do Museu da Quinta das Cruzes e de várias igrejas e capelas da ilha. A Madeira exportou açúcar “e atraiu estrangeir­os”, explica o comissário. Flamengos e italianos, cujos nomes se mantêm.

Fernando Baptista Pereira, cocomissár­io da exposição, sublinha, durante a visita guiada, que muitas pinturas foram alvo de restauro e investigaç­ão para a exposição. É o caso do tríptico que representa a

Descida da Cruz, uma encomenda de Urbano Lomelino, “um genovês que manda fundar o Convento de São Francisco, em Santa Cruz, onde está hoje o Aeroporto Cristiano Ronaldo”. O pedido, em testamento, é posto em prática pelo sobrinho, Jorge, que se retrata com a mulher nesta obra atribuída à oficina de Gérard David e dos seus seguidores.

A exposição, patente até 18 de março, é a primeira de uma série de eventos que comemoram os 600 anos do descobrime­nto da Madeira em 2018 e 2019.

“A Madeira é um balão de ensaio do que será o Portugal da expansão”, diz o comissário da exposição, Francisco Clode de Sousa

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Mestres como Pieter Coecke van Aelst ou Michael de Coxcie pintaram para a Diocese da Madeira ou para grandes comerciant­es de açúcar

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