MULHERES AMEAÇADAS COM PUBLICAÇÃO DE FOTOS PRIVADAS
Quase um quarto das mulheres entrevistadas no âmbito de um estudo da Amnistia Internacional dizem ter sido visadas em abusos ou assédio na internet. Vítimas destas situações sofrem de stress, ansiedade e ataques de pânico
Ameaçar uma mulher com a publicação na internet de fotos privadas sem o seu consentimento, difundir uma mensagem de ódio numa rede social que em poucos minutos se torna viral ou ameaçá-la com a partilha dos seus dados pessoais na web. Estas são algumas das formas de assédio online sobre as mulheres, uma realidade que, de acordo com um novo estudo da Amnistia Internacional (AI), provoca stress, ansiedade e ataques de pânico nas vítimas. No âmbito da mesma sondagem, quase um quarto das mulheres entrevistadas em oito países declararam já ter sido visadas em abusos ou assédio online.
O estudo envolveu 4000 mulheres com idades entre os 18 e os 55 anos da Dinamarca, Itália, Nova Zelândia, Polónia, Espanha, Suécia, Reino Unido e EUA: 911 declararam ter sido visadas com abusos ou assédio online e 688 indicaram que passaram por tal experiência nas redes sociais. Uma problemática que em Portugal não será muito diferente. “Teremos uma realidade semelhante à de Espanha ou Itália. O que o estudo pretende é dar um retrato global. E é um alerta para a necessidade de estarmos atentos a estas situações em Portugal, até porque as redes sociais e as empresas que as gerem são globais. Todas nós estamos em risco de ser ameaçadas, assediadas ou violentadas”, disse ao DN Susana Gaspar, presidente da AI Portugal.
Cerca de 40% das mulheres que passaram por essa má experiência online sentiram que, de alguma forma, a sua segurança física estava ameaçada. E o impacto psicológico deste tipo de abusos pode, de acordo com a investigação, ser “devastador”. “As consequências são tremendas. Destacámos o stress, a ansiedade e os ataques de pânico [declarados por 55%], mas também se repercute na perda de autoestima [61%]. Há casos de insónias, trabalhos que ficam em perigo porque as pessoas não descansam”, alerta Susana Gaspar.
Quase metade das mulheres que responderam às questões (46%) disseram que os abusos ou o assédio online foram de natureza misógina ou sexista; 58% experimentaram episódios de racismo, sexismo, homofobia ou transfobia. “Quanto mais me aproximo de um grupo vulnerável, tenho uma raça distinta ou me destaco pela minha sexualidade ou por uma identidade de género diferente, posso estar em risco de ser assediada moralmente ou ameaçada de morte”, destaca a presidente da AI Portugal.
Entre um quinto (19% em Itália) e um quarto das entrevistadas dizem ter recebido ameaças de agressão física ou sexual e 26% foram vítimas de doxxing (partilha de dados pessoais de outros na internet). E em 59% dos casos os abusos foram protagonizados por estranhos. “A internet oferece um espaço propício para os abusadores que se escondem atrás de um ecrã. O risco de se tornar viral é muito grande e não há eficácia das empresas em dar respostas às queixas ou aos alertas.” Susana Gaspar destaca outra das conclusões da sondagem comissionada à IPSOS MORI: “Apenas 18% das entrevistadas deram feedback positivo sobre as respostas das empresas.”
Apelos a empresas e governos Destacando que todo o tipo de abusos e violência exige resposta, Susana Gaspar apela “aos governos” para que, além de agirem após a opressão, “atuem na prevenção com campanhas e com a criação e legislação”, pois “a evolução tecnológica é muito grande e há leis que não preveem estas situações”; e às empresas, uma vez que “é necessário elas empresas terem moderadores mais bem treinados para identificar situações de abuso e assédio”. A liberdade de expressão, frisa, “não pode incluir a defesa do ódio e da violência”.
A violência e o abuso online são uma ameaça direta à liberdade de expressão, lê-se no estudo. Mais de três quartos das mulheres (76%) vítimas de assédio online disseram que alteraram a forma como usam as plataformas digitais. Em 32% dos casos, as mulheres deixaram de partilhar conteúdo onde expressassem a sua opinião sobre determinado tema. “As mulheres reduzem os conteúdos que partilham, colocam-se à margem e, muitas vezes, não querem continuar a dar a sua opinião”, diz esta responsável.
Susana Gaspar acredita que, no geral, a sociedade não tem consciência do impacto que este tipo de comportamentos pode ter. “Se existisse essa consciência, se calhar estávamos todos mais sensíveis e em estado de alerta.” Muitas vezes, são as próprias mulheres que têm medo de denunciar as situações. “É um flagelo que vai muito além do que se pode imaginar numa primeira instância.” Por ser online, numa esfera “mais escondida”, parece que não toca a ninguém, mas as consequências são muito sérias”. E há um risco enorme de os conteúdos proliferarem.