Depois do brexit, a economia das “rendas” do Reino Unido deixará de ser viável
Obrexit é uma experiência traumática para muitos. Houve quem tivesse investido toda a sua carreira na construção do relacionamento do Reino Unido com a UE. Outros passaram as suas vidas a explorar as oportunidades comerciais ou a escrever sobre isso.
Mas não há desculpa para se apegarem às ilusões em série sobre a UE que estão tão disseminadas no Reino Unido. A minha preferida é a previsão de que os outros Estados membros acabem por ver a luz e acabem com a livre circulação do trabalho. Outra ilusão persistente é que o brexit será revogado.
Todos os parlamentares do Reino Unido que pensam que podem parar o brexit não leram ou não entenderam a cláusula de saída do artigo 50.º do Tratado de Lisboa. Depois de ter deixado passar a Lei da Notificação de Retirada da UE neste ano, o Parlamento do Reino Unido não possui ferramentas para criar uma reversão. Os adeptos do brexit não são menos delirantes quando acreditam que acabarão com um bom acordo comercial.
O governo britânico tem duas opções. Ou revoga a decisão de deixar o mercado único e as uniões aduaneiras, a linha de ação que eu recomendo embora duvide que tal venha a acontecer. Ou aceita o único acordo que a UE oferecerá: um acordo comercial padrão, com alguns complementos aqui e ali, semelhante ao que a UE concluiu recentemente com o Canadá.
E não, não haverá tal coisa como o acesso ao mercado único para serviços financeiros. E sim, haverá uma fronteira séria entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda. Será a fronteira externa da UE e da união aduaneira.
É preciso fazer escolhas sérias, mas não muitas. As pessoas acham mais confortável apegar-se a ilusões do que discutir as realidades de um Reino Unido pós-brexit. Deixar a UE tem mais implicações além das comerciais: torna obsoleto o modelo de negócios seguido pelo Reino Unido desde a década de 1980.
Esse modelo é insustentável a muitos níveis. O Reino Unido participou no mercado único da UE, mas optou por estar fora de outras áreas políticas como o euro, o espaço Schengen e uma política de imigra- ção comum – partes essenciais da futura integração política na UE.
A City de Londres funcionou como o centro financeiro de uma união monetária à qual o Reino Unido não tinha intenção de se juntar. O influxo de dinheiro estrangeiro e a imigração de banqueiros e trabalhadores para as indústrias de serviços do Reino Unido impulsionaram o crescimento do produto interno bruto agregado, mas não a produtividade per capita. O país tem uma economia das “rendas” antiquada.
Os símbolos desse período foram os esquemas de compra de casas para arrendar ou os hostels Airbnb de propriedade privada. Aqueles com bens imobiliários, bons regimes de pensões e riqueza herdada beneficiaram à custa de uma subclasse crescente. Uma maneira de olhar para o brexit é vê-lo como uma transição para lá do ponto em que o eleitor médio estava no lado perdedor desse modelo, ou com medo de aí acabar.
Depois do brexit, o modelo deixará de ser viável. O seu colapso pode acontecer de várias maneiras. Uma opção no horizonte é o socialismo de extrema-esquerda do Partido Trabalhista de Jeremy Corbyn. A alternativa seria uma revolução centrista semelhante na escala, embora diferente na intenção, à que está a ser tentada em França pelo presidente Emmanuel Macron.
Theresa May iniciou a sua liderança com ideias positivas mas vagas para um futuro pós-industrial. Pouco resta desse espírito enquanto o seu governo se afunda no pântano político da política do brexit. Mas o debate sobre a estratégia industrial é mais importante do que a conversa paranoica sobre o volume da conta do brexit ou a duração do período de transição.
Para lidar o melhor possível com o brexit, o Reino Unido terá de abraçar uma economia mais empreendedora e inovadora. O país tem uma cultura empresarial de base, mas precisará de a tornar mais inclusiva e meritocrática. Num ambiente desses, a educação e a formação também terão de mudar.
As universidades precisarão de trabalhar mais de perto com a indústria, como é o caso nos EUA ou na Alemanha.
Haverá uma maior ênfase nas capacidades transferíveis, o que, por sua vez, terá implicações de longo alcance para as escolas e universidades. Eu duvido, por exemplo, de que os níveis A altamente especializados do Reino Unido sejam adequados como exames de fim de escolaridade do futuro. E duvido também que os rankings atuais de escolas e universidades sejam uma avaliação confiável das qualidades que serão necessárias.
O mundo pós-brexit será muito menos idiossincrático e excêntrico do que o sistema cessante de um capitalismo financeiro feudal.
É esta a maior ironia do brexit. Atrevo-me a dizer que, para que este seja bem-sucedido, o Reino Unido acabará por se tornar mais europeu. Mas também é verdade que, sem o brexit, isso provavelmente nunca teria acontecido.
A grande ironia de deixar a UE é que o Reino Unido ver-se-á obrigado a ser mais europeu