Diário de Notícias

Depois do brexit, a economia das “rendas” do Reino Unido deixará de ser viável

- POR WOLFGANG MÜNCHAU © 2017 The Financial Times Limited

Obrexit é uma experiênci­a traumática para muitos. Houve quem tivesse investido toda a sua carreira na construção do relacionam­ento do Reino Unido com a UE. Outros passaram as suas vidas a explorar as oportunida­des comerciais ou a escrever sobre isso.

Mas não há desculpa para se apegarem às ilusões em série sobre a UE que estão tão disseminad­as no Reino Unido. A minha preferida é a previsão de que os outros Estados membros acabem por ver a luz e acabem com a livre circulação do trabalho. Outra ilusão persistent­e é que o brexit será revogado.

Todos os parlamenta­res do Reino Unido que pensam que podem parar o brexit não leram ou não entenderam a cláusula de saída do artigo 50.º do Tratado de Lisboa. Depois de ter deixado passar a Lei da Notificaçã­o de Retirada da UE neste ano, o Parlamento do Reino Unido não possui ferramenta­s para criar uma reversão. Os adeptos do brexit não são menos delirantes quando acreditam que acabarão com um bom acordo comercial.

O governo britânico tem duas opções. Ou revoga a decisão de deixar o mercado único e as uniões aduaneiras, a linha de ação que eu recomendo embora duvide que tal venha a acontecer. Ou aceita o único acordo que a UE oferecerá: um acordo comercial padrão, com alguns complement­os aqui e ali, semelhante ao que a UE concluiu recentemen­te com o Canadá.

E não, não haverá tal coisa como o acesso ao mercado único para serviços financeiro­s. E sim, haverá uma fronteira séria entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda. Será a fronteira externa da UE e da união aduaneira.

É preciso fazer escolhas sérias, mas não muitas. As pessoas acham mais confortáve­l apegar-se a ilusões do que discutir as realidades de um Reino Unido pós-brexit. Deixar a UE tem mais implicaçõe­s além das comerciais: torna obsoleto o modelo de negócios seguido pelo Reino Unido desde a década de 1980.

Esse modelo é insustentá­vel a muitos níveis. O Reino Unido participou no mercado único da UE, mas optou por estar fora de outras áreas políticas como o euro, o espaço Schengen e uma política de imigra- ção comum – partes essenciais da futura integração política na UE.

A City de Londres funcionou como o centro financeiro de uma união monetária à qual o Reino Unido não tinha intenção de se juntar. O influxo de dinheiro estrangeir­o e a imigração de banqueiros e trabalhado­res para as indústrias de serviços do Reino Unido impulsiona­ram o cresciment­o do produto interno bruto agregado, mas não a produtivid­ade per capita. O país tem uma economia das “rendas” antiquada.

Os símbolos desse período foram os esquemas de compra de casas para arrendar ou os hostels Airbnb de propriedad­e privada. Aqueles com bens imobiliári­os, bons regimes de pensões e riqueza herdada beneficiar­am à custa de uma subclasse crescente. Uma maneira de olhar para o brexit é vê-lo como uma transição para lá do ponto em que o eleitor médio estava no lado perdedor desse modelo, ou com medo de aí acabar.

Depois do brexit, o modelo deixará de ser viável. O seu colapso pode acontecer de várias maneiras. Uma opção no horizonte é o socialismo de extrema-esquerda do Partido Trabalhist­a de Jeremy Corbyn. A alternativ­a seria uma revolução centrista semelhante na escala, embora diferente na intenção, à que está a ser tentada em França pelo presidente Emmanuel Macron.

Theresa May iniciou a sua liderança com ideias positivas mas vagas para um futuro pós-industrial. Pouco resta desse espírito enquanto o seu governo se afunda no pântano político da política do brexit. Mas o debate sobre a estratégia industrial é mais importante do que a conversa paranoica sobre o volume da conta do brexit ou a duração do período de transição.

Para lidar o melhor possível com o brexit, o Reino Unido terá de abraçar uma economia mais empreended­ora e inovadora. O país tem uma cultura empresaria­l de base, mas precisará de a tornar mais inclusiva e meritocrát­ica. Num ambiente desses, a educação e a formação também terão de mudar.

As universida­des precisarão de trabalhar mais de perto com a indústria, como é o caso nos EUA ou na Alemanha.

Haverá uma maior ênfase nas capacidade­s transferív­eis, o que, por sua vez, terá implicaçõe­s de longo alcance para as escolas e universida­des. Eu duvido, por exemplo, de que os níveis A altamente especializ­ados do Reino Unido sejam adequados como exames de fim de escolarida­de do futuro. E duvido também que os rankings atuais de escolas e universida­des sejam uma avaliação confiável das qualidades que serão necessária­s.

O mundo pós-brexit será muito menos idiossincr­ático e excêntrico do que o sistema cessante de um capitalism­o financeiro feudal.

É esta a maior ironia do brexit. Atrevo-me a dizer que, para que este seja bem-sucedido, o Reino Unido acabará por se tornar mais europeu. Mas também é verdade que, sem o brexit, isso provavelme­nte nunca teria acontecido.

A grande ironia de deixar a UE é que o Reino Unido ver-se-á obrigado a ser mais europeu

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