Diário de Notícias

A progressão dos incríveis e dos medíocres

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Aideia de que alguém progride na carreira, ou seja, é promovido e aumentado, apenas porque cumpriu na profissão o número de anos suficiente nunca me fez sentido. Mais ainda quando essa pessoa não pode ser despedida. O que significa que, trabalhe muito ou pouco, seja competente ou incompeten­te, há uma garantia vitalícia de emprego e de progressão na carreira. Isto significa impedir os melhores de chegarem ao topo mais depressa e permitir aos incompeten­tes lá chegarem, sem que o mereçam.

Quem acha que dar a mesma oportunida­de a todos significa que todos têm de beneficiar dessa oportunida­de, independen­temente do mérito, está a distorcer por completo o conceito de igualdade de oportunida­des. E o que sobra deste sistema caduco e muito perverso é uma função pública altamente desqualifi­cada e desmotivad­a.

É por isso que a discussão atual em torno das carreiras dos professore­s – que também já se adivinha noutros setores do Estado – é uma discussão errada. Porque discutir progressão profission­al apenas com base no número de anos de trabalho, sem discutir os critérios de avaliação que levam a essa progressão, não tem o mínimo de razoabilid­ade. O caso dos professore­s é paradigmát­ico.

Até ser colocado numa escola, um professor passa por várias fases. Estuda, faz exames, é avaliado e testado em frente a uma turma de alunos. A partir do momento em que é colocado numa escola, o relógio começa a contar. É como se os professore­s fossem todos iguais, como se não houvesse melhores e piores, professore­s com mais vocação e outros que claramente erraram na escolha que fizeram. Quem paga são os alunos que lhes aparecem à frente, mas isso, para os sindicatos, não interessa nada. O que interessa é que o relógio nunca pare de contar. A pergunta que me sobra sempre é: que motivação tem um bom professor para procurar a excelência? Se, ao seu lado, um professor medíocre progride só porque sim?

Nos professore­s, como em qualquer outra profissão, tipicament­e, são os medíocres que mais detestam ser avaliados. Porque isso os expõe de uma forma embaraçosa e porque o primeiro sintoma da mediocrida­de é não ter noção de si próprio. E, sim, eu sei que já existe um sistema de avaliação para o pessoal docente. Só não conheço nenhum professor que me consiga explicar para que é que ele serve na prática, além de criar mais burocracia aos próprios professore­s e às escolas.

A discussão, obviamente, não interessa nada a Mário Nogueira, o homem que mais sistemas de avaliação de professore­s destruiu em Portugal. Nunca nenhum serviu, nunca nenhum foi suficiente­mente bom. Não é que ele não defenda um sistema de avaliação dos professore­s, nada disso, só ainda não apareceu um que seja suficiente­mente bom. Esse é, afinal, o segredo para Mário Nogueira se manter há tantos anos à frente da Fenprof: quantos mais ministros da Educação ele vergar, mais ele progride na carreira de sindicalis­ta.

Culpar apenas o atual governo seria de todo injusto. Porque, durante décadas, o Estado provou a sua fraqueza de cada vez que quis criar sistemas de avaliação de professore­s e esbarrou sempre no interesse das corporaçõe­s. António Costa teria, em tese, todas as condições para operar esta transforma­ção, mas aqui, como noutros casos, optou por não o fazer. A estratégia para chegar às legislativ­as de 2019 é muito simples: agradar a gregos a troianos, sem mudar nada de substancia­l no Estado.

É esta lógica que ajuda a explicar porque é que, para resolver o atual conflito com os professore­s, António Costa decidiu empurrar para a próxima legislatur­a parte do problema, criando um problema ainda maior com outras corporaçõe­s do Estado. O argumento usado é financeiro, mas, na verdade, o problema é político e, politicame­nte, este governo está prisioneir­o do Bloco de Esquerda e do PCP. Depois de 2019, espera António Costa, pode já não estar. É o que dá querer andar entre os pingos da chuva. Um dia a chuvada é tão forte que nos molha todos.

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ANSELMO CRESPO SUBDIRETOR DA TSF

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