Diário de Notícias

Os novos liberais-sociais e a Europa

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Omaior problema do mundo é o consumismo e o mais importante para salvar o planeta é revolucion­ar o comportame­nto dos consumidor­es. Mesmo sem qualquer rigor científico, os painéis instalados no meio daWeb Summit, onde os visitantes podiam dar as suas respostas a pequenos inquéritos, confirmam o que se intui quando se anda por ali. Há uma tribo que se vê, simultanea­mente, como sendo capitalist­a e tendo preocupaçõ­es sociais (leia-se ambientais, sobretudo, mas não só). Querem ganhar dinheiro com as ideias de negócios que têm e, na maior parte dos casos, garantem que as suas ideias, além de poderem enriquecê-los e a quem investir neles, vão mudar o mundo para melhor. E acham-se diferentes por isso.

Vale a pena olhar para ali para perceber que nem todos os jovens são como os jovens são retratados tantas vezes: indiferent­es e desinteres­sados. Sendo certo que nem todos os jovens que ali estão são todos os jovens ou sequer assim tão jovens. Mas acham que são e comportam-se como se fossem.

O inquérito, feito nuns painéis onde se colavam as respostas nas opções preferidas, era tão rigoroso como um referendo na Catalunha, mas vale como indicação. Quem o fez admitia que as maiores ameaças ao planeta poderiam ser as multinacio­nais, o capitalism­o, os líderes políticos ou o consumismo. Todo um programa ideológico aparenteme­nte contraditó­rio com uma feira que serve, basicament­e, para juntar investidor­es e empreended­ores (a alma do capitalism­o, portanto).

Entre aquelas respostas e o que dizem os que têm startups para exibir há um discurso ideológico a emergir. Gostam do capitalism­o, do dinheiro, dos que transforma­m uma ideia e fazem um milhão ou mais com ela. Não gostam de impostos – sobretudo quando descobrem que a distribuiç­ão de lucros é taxada, e não é pouco –, mas dizem mal de quem evita pagá-los, não pedem subsídios (pedem investimen­to) mas aproveitam os que houver, e não falam de direitos laborais porque se veem como empresário­s e seus associados. Mas sublinham o impacto social do que fazem porque partilhar carros, distribuir pizas de bicicleta, alertar quando se deve tomar os medicament­os, monitoriza­r o destino de donativos, consumir menos água ou energia, fazer turismo com dicas dos locais, juntar bandas de jazz e públicos ou compradore­s e vendedores de casas sem intermediá­rios ou fazer crowdsourc­ing de investimen­to em eficiência energética e energias renováveis é um bom negócio que tem, além disso, um valor moral e ético, acreditam.

Se houvesse uma sondagem feita a sério, aposto que a maior parte votaria Macron. É uma impressão, eu sei, mas estou disponível para investir nela. E, não por acaso, aposto, uma das oradoras mais aplaudidas naqueles dias foi MargretheV­estager, a dinamarque­sa liberal comissária da Concorrênc­ia, que tem feito a vida negra a algumas multinacio­nais ao mesmo tempo que garante nada ter contra quem faz e ganha muito dinheiro. E, voilà, que se diz que Macron gostava de ver na próxima presidênci­a da Comissão Europeia, depois de Juncker. Provavelme­nte não vai acontecer, mas faz sentido.

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HENRIQUE BURNAY CONSULTOR EM ASSUNTOS EUROPEUS

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