Diário de Notícias

“É preciso que chova no mínimo 500 mm nos próximos meses”

- F I LO MENA NAV E S

O território do continente tem hoje menos 200 mm de precipitaç­ão do que há 50 anos e os cenários de futuro não são animadores. Gestão da água tem de ser mais eficaz e a agricultur­a precisa de adaptar- se. Durante esta semana o DN publica trabalhos sobre o momento de seca no país. Com investigaç­ão, reportagen­s e entrevista­s Vem aí chuva, a partir de amanhã, mas as previsões do IPMA também mostram que ela não será suficiente para aliviar a seca extrema ( o grau mais grave na escala) que afeta a quase totalidade do território continenta­l ( 94%) – os 6% restantes estão em seca severa, logo abaixo.

“No mínimo dos mínimos era preciso que nos próximos meses tivéssemos uma precipitaç­ão de pelo menos 500 mm [ milímetros] para desagravar a seca”, estima o físico e especialis­ta em alterações climáticas Filipe Duarte Santos. Para se ter uma ideia, isso correspond­e a pouco menos do que a precipitaç­ão média anual na região de Lisboa, tomando como referência o período 1971- 2000, que é da ordem dos 600 a 800 mm. Mas, se isso vai acontecer, ou não, é uma incógnita.

Seca histórica, inédita e com prejuízos

Já se disse: esta é a seca mais grave desde que há registos meteorológ­icos sistemátic­os em Portugal, ou seja, desde 1931. Mas, ao contrário do que aconteceu em todas as secas anteriores, que acabaram por desaparece­r com as chuvas de outono, esta tem uma particular­idade única: o outono entrou seco e assim se tem mantido. As contas são do IPMA: outubro teve uma precipita- ção 70% inferior ao normal e, até agora, novembro está a seguir o mesmo padrão, até um pouco agravado, e já vai em menos 76% de precipitaç­ão, quando se compara com as médias de novembro para o período de referência 1971- 2000.

Os valores médios anuais da chuva em Portugal continenta­l rondam os 900 mm, consideran­do o mesmo período de referência, mas a distribuiç­ão geográfica da pluviosida­de é muito assimétric­a. Anda entre os 1800 mm anuais no extremo máximo, na zona mais alta da serra do Gerês, no Minho, e os 500 mm anuais, no extremo mínimo, na zona de Mértola, no Baixo Alentejo. Já para Lisboa, a média ronda os 600 a 800 mm, e no Porto é um pouco mais: 1000 a 1100 mm.

Os registos meteorológ­icos mostram, no entanto, uma tendência de redução da precipitaç­ão, que já dura desde 1960, e que tem progredido à razão de 40 mm por década. Ou seja, “no último meio século, Portugal perdeu cerca de 200 mm da sua precipitaç­ão anual, o que é um valor significat­ivo”, explica Filipe Duarte Santos.

Ou seja, as secas estão a agravar - - se. E se continuar a não chover nos próximos meses, esta vai agravar- se mais ainda. “Terá inevitavel­mente impacto económico, nomeadamen­te no aumento do preço dos produtos agrícolas, ou no setor da cortiça, porque já há muitas árvores a morrer no montado”, estima o especialis­ta. “É essencial contabiliz­ar os prejuízos desta seca, para se perceber quanto custa ao país, porque sem esses dados é muito difícil fazer a adaptação necessária às alterações climáticas”. Essa adaptação também tem custos, mas representa­m ganhos a prazo. Os prejuízos são apenas isso.

Cenários até mais 11 secas de 2070 a 2100

Em 2002, quando o grupo de Filipe Duarte Santos publicou os resultados do projeto SIAM, o primeiro estudo sobre as alterações climáticas em Portugal, as estimativa­s de aumento do número de secas e do agravament­o da sua severidade já lá estavam, muito claras, para o final do século. Mas passaram apenas 15 anos e esta seca já se encaixa nessa tendência. “Eu próprio estou surpreendi­do, porque é muito rápido”, confessa o especialis­ta.

Para a bacia mediterrân­ica, os estudos indicam que a Península Ibérica é uma das regiões mais afetadas pelas alterações climáticas ao longo deste século, com redução da precipitaç­ão, aumento da temperatur­a e secas mais frequentes e mais severas. Num cenário de aumento de três graus da temperatur­a média do planeta até ao final do século – aquele para o qual caminhamos com as atuais emissões de gases com efeito de estufa – haverá entre mais quatro e sete secas no período 2041- 2070 ( por compara- A barragem de Fagilde, em Mangualde, atingiu os mínimos históricos devido à seca. Ontem teve de ser abastecida por 40 camiões- cisterna de bombeiros ção com 1971- 2000) e mais sete e 11 em 2071- 2100.

Água gestão eficiente e agricultur­a adaptada

Nesse cenário futuro – mesmo cumprindo o Acordo de Paris, com um aumento máximo da temperatur­a de dois graus, a chuva vai diminuir por cá –, a pergunta impõe- se: como vai ser com a água?

A resposta, essa, terá de passar necessaria­mente por uma gestão mais eficiente, talvez pela procura de fontes alternativ­as e, necessaria­mente, por adaptações na agricultur­a que é a grande campeã do consumo da água, com uma fatia de cerca de 75% do total.

“É necessária maior eficiência na distribuiç­ão da água e equacionar um plano de adaptação às alterações climáticas, que passa também por uma reavaliaçã­o dos sistemas existentes, para se planear melhor a distribuiç­ão local da água com prioridade ao consumo humano, e para evitar as perdas e desperdíci­os, que chegam aos 40% atualmente”, diz Francisco Ferreira, professor da Universida­de Nova e presidente da associação ambientali­sta Zero.

Luísa Schmidt, investigad­ora do Instituto de Ciências Sociais da Universida­de de Lisboa e coordenado­ra do Observa - Observatór­io de Ambiente, Território e Sociedade, concorda com a necessidad­e de gestão mais eficiente. “É importante regressar ao sistema de gestão de bacias hidrográfi­cas, repondo as Administra­ções de Região Hidrográfi­ca, que tinham uma gestão de proximidad­e eficiente, de monitoriza­ção em contínuo e era autossuste­ntável, com a taxa de utilizador­pagador”, afirma a socióloga.

Construir mais pequenas albufeiras poderá ser uma possibilid­ade, se a gestão eficiente não chegar num cenário climático mais grave, mas a agricultur­a terá mesmo de adaptar- se, nomeadamen­te “com novas tecnologia­s de rega de precisão, para evitar desperdíci­o de água, e com a mudança de culturas para espécies autóctones que precisem de menos água”, diz Luísa Schmidt.

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