Diário de Notícias

Um portentoso contrateno­r que Lisboa só agora ouve

O argentino Franco Fagioli apresenta- se hoje na Fundação Gulbenkian, com um programa inteiramen­te dedicado a Händel

- B E R NARDO MARI A NO

Aos 36 anos, Franco Fagioli é um dos maiores contrateno­res da atual cena operática, integrando o grupo dos chamados “contrateno­res operáticos”, capazes de “encher” uma sala com a sua voz. Cantou em Portugal, pela primeira ( e única) vez, no Porto, há quatro anos. Chegou agora a vez de Lisboa. Na “retina” traz ainda a recente estreia no Scala de Milão, com o Tamerlano, de Händel: “Foi uma experiênci­a ótima. Estive sempre rodeado de uma equipa super e a encenação era muito interessan­te. Só coisas boas a dizer.”

O repertório que traz a Lisboa é todo ele de Händel, na esteira da sua mais recente gravação: “Senti que era chegado o momento de homenagear Händel com uma gravação. Tenho- o cantado imenso, mas nunca o gravara. Não é habitual nos contrateno­res, mas calhou assim. De modo que fiz uma seleção de árias que produzem uma emoção especial em mim e em que eu sinto que posso dizer algo de belo através delas.”

Para Fagioli, Händel é um caso à parte: “O seu génio permitiu- lhe criar um estilo que, embora baseado na ópera italiana/ napolitana, estabeleci­a maior afinidade com o público e com os cantores. É um estilo vocalmente mais acessível e também mais pejado de humanidade: os heróis têm emoções palpáveis e expressam emoções na sua inteireza. É um autor que eu acho intrinseca­mente musical.”

Fagioli tem em anos recentes começado a trilhar território­s mais tardios, de início de Oitocentos: “Para mim, o belcanto é um estilo e técnica de canto que se mantém inalterada qualquer que seja a época. À voz é que cabe comportar- se de modo diferente, pois o discurso musical, esse sim, altera- se. Portanto, a base é a mesma, os papéis depois determinam um certo carácter.”

Outro autor frequente nele é Mozart: “A maioria dos papéis que fiz dele foram escritos para castrati, como Sesto, Idamante ou Lucio Silla. Gostava ainda de vir a fazer o Farnace ( do Mitridate) e o Ramiro ( da Finta giardinier­a) em produções completas.”

Explica o estrelato atual dos contrateno­res “pela mesma razão

Após a estreia de Tamerlano no Scala, Franco Fagioli vem a Lisboa por que os castrati eram tão famosos no século XVIII: porque há sempre um quê de espanto num homem que canta agudo, é tão simples quanto isto. É o lado insólito que excita a curiosidad­e. Mas também havia contrateno­res no Barroco e então eram vistos com normalidad­e. E agora, com o tempo, esse hábito irá regressar e nós acabaremos por ser vistos como apenas mais uma das tipologias vocais masculinas possíveis.” Acha que, por mais contrateno­res que haja, “haverá sempre mezzosopra­nos a cantar papéis masculinos. Isso já sucedia no Barroco, mesmo com os castrati! A ópera é e sempre foi uma arte prática que se faz com aquilo que se tem à disposição em dado momento.”

Algo que o fará decerto feliz, pois, declara, “os mezzo- sopranos sempre foram as minhas professora­s virtuais: Janet Baker, Marilyn Horne, a Bartoli, a Garanca, a Von Otter, a Larmore… Aprendo muito ouvindo- as e inspiram- me imenso. E sabe? Desde sempre foi assim. Sempre me inclinei muito mais para o som dos mezzos que para o dos contrateno­res que ouvia e sempre quis emular o som dos mezzos. São a referência para mim.”

Estreou a cantata Ainadomar, do compatriot­a Osvaldo Golijov, em 2010, mas ficou- se por aí na música de hoje: “Ouça, se receber uma obra bem escrita para a minha voz e suas caracterís­ticas, terei todo o prazer em cantá- la. Mas tem de ter melodia e linhas, OK?” FRANCO FAGIOLI, CONTRATENO­R + IL POMO D’ORO

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