O perigo de uma Europa pós- alemã
A UE não é nada sem a Alemanha. É por isso que a Europa não pode ficar simplesmente à espera, na esperança de que a Alemanha decida de repente retomar a liderança A UE deve fazer mudanças ainda mais fundamentais. Quando um novo governo alemão estiver empossado, a UE estará a preparar as eleições parlamentares europeias de junho de 2019
Nos últimos dois séculos, a “questão alemã” – como conter uma Alemanha cuja dominação era fortalecida pelo seu tamanho imperante, a sua grande capacidade produtiva e a sua posição geográfica no coração da Europa – causou muitas preocupações e grandes guerras. Hoje, com o colapso das negociações para formar uma nova coligação governamental, a questão inverteu- se. Os líderes europeus preocupam- se por a Alemanha estar a tornar- se incapaz de assumir uma liderança suficientemente forte para orientar e defender a Europa num mundo globalizado.
Desde a Segunda Guerra Mundial, a solução para a questão alemã original tem sido envolver o país nas instituições europeias. Do Tratado de Roma, que instituiu a Comunidade Económica Europeia, ao Tratado de Maastricht, que criou a União Europeia e a zona euro, a Alemanha assumiu a sua metade do eixo nuclear franco- alemão que está no âmago do projeto europeu.
No início dos anos 2000, a Alemanha superou os desafios da reunificação e estava em condições de afirmar ainda mais a sua influência na Europa. No entanto, a França não estava segura quanto a uma maior integração, o que se refletiu no seu voto de 2005 contra a constituição europeia proposta. Com isso, começou a era da ascendência alemã.
Foi a Alemanha que impulsionou o “quinto alargamento” da União Europeia, a adesão simultânea de dez países da Europa Central e de Leste, o que ocupou a Europa de 2004 a 2008. Mas foi a crise financeira global que solidificou a posição da Alemanha como líder da Europa. O Conselho Europeu liderou a resposta, e era claramente a chanceler alemã, Angela Merkel, quem comandava.
Nos anos que se seguiram, à medida que a Alemanha se tornava cada vez mais dominante, a liderança francesa continuava a esmorecer. Outros poderes influentes na Europa também se retiraram do continente: não foi só o Reino Unido que votou para sair da UE, os Estados Unidos, que sustentaram durante muito tempo a Pax Americana, que foi tão crucial para a Europa, também desviaram a sua atenção da região. O resultado inequívoco foi a deslocação real do centro de gravidade da Europa para Berlim. Enquanto isso, as crises proliferaram, com a Alemanha a liderar as res- postas a todas elas. Além da crise financeira, a Europa enfrentou uma grave crise de migração e uma crise de segurança, enraizada no revanchismo russo. Mas a liderança de Merkel nem sempre foi aplaudida, particularmente no contexto da crise migratória. Pelo contrário, tem alimentado a frustração na Europa do Sul com problemas económicos, na Europa de Leste geograficamente vulnerável e na própria Alemanha.
A última tendência, em particular, tem vindo a complicar o papel da Alemanha na Europa. Nos últimos 18 meses, a liderança da Alemanha tornou- se cada vez mais virada para dentro, em grande parte devido às eleições federais de setembro. Como resultado, questões fundamentais sobre o futuro da UE – no que diz respeito às negociações do brexit, política de migração, cooperação em matéria de defesa, criação de uma união bancária e, talvez, o mais importante, à reforma das instituições europeias – foram em grande parte suspensas. A ideia era que, uma vez que Merkel obti- vesse o seu quarto mandato, ela poderia finalmente arregaçar as mangas e impulsionar as reformas institucionais de que a UE tanto necessitava. Mas dois meses depois das eleições a Europa ainda está à espera.
Apesar de Merkel ter conseguido um quarto mandato, não foi de forma tão forte quanto se esperava. Assim, a União Democrata- Cristã e o seu partido irmão, a União Social- Cristã na Baviera, viram- se obrigadas a longas negociações com vista a uma coligação com os Democratas Livres e os Verdes, trazendo cada um deles uma agenda e uma visão da Europa diferentes para a mesa das negociações.
Mesmo na melhor das hipóteses, a presumível coligação parecia estar pronta para manter a abordagem focada e a jogar pelo seguro que prevaleceu durante quase dois anos. Mas as coisas são piores do que isso: as conversações para a formação da coligação fracassaram, deixando a Alemanha e a Europa perante um longo período de incerteza. Na ausência de uma verdadeira emergência que galvanize a ação alemã, a UE enfrenta a perspetiva muito real de permanecer em modo de espera, situação que o bloco em dificuldades não pode sustentar.
É verdade que a surpresa da eleição de Emmanuel Macron como presidente de França reacendeu a esperança de que um eixo franco- alemão reavivado pudesse infundir ao apático projeto europeu um muito necessário élan. Mas embora Macron vá dizendo todas as coisas certas e tenha visão, a França não pode promover uma visão arrojada para a Europa por conta própria, especialmente porque também tenta concretizar reformas internas vitais. A Alemanha continua a ser o parceiro europeu sine qua non.
A UE não é nada sem a Alemanha. É por isso que a Europa não pode ficar simplesmente à espera, na esperança de que a Alemanha decida de repente retomar a liderança. Em vez disso, deve abordar a questão alemã de frente, tal como aconteceu após a Segunda Guerra Mundial, trabalhando ativamente para voltar a ancorar o país no projeto europeu.
Contudo, entretanto, a União Europeia deve fazer mudanças ainda mais fundamentais. Quando um novo governo alemão estiver empossado, a UE estará a preparar as eleições parlamentares europeias de junho de 2019 e a seleção de uma nova Comissão Europeia. Isso vai fazer empurrar ainda mais com a barriga. A menos que a União Europeia mude a sua abordagem, ficará condenada simplesmente a prender a respiração entre uma eleição e outra. Uma campanha perpétua não é a maneira de construir um futuro melhor.