Diário de Notícias

Não encontro lógica numa esquerda, suposta defensora dos desfavorec­idos, capaz de propor medidas contra pequenos negócios de quase subsistênc­ia

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to local num inferno burocrátic­o e fiscal, não serão os grandes investidor­es nem as firmas hoteleiras que terão dificuldad­es em resolver o problema. Serão, mais uma vez, os mais pequenos a não conseguire­m entender- se com os regulament­os e a não terem fluxos de dinheiro constantes para pagar os impostos nos tempos devidos.

Muitas destas propostas pretendem resolver problemas urbanos. Um deles é a pressão do turismo no centro das cidades, que está a afastar para longe os habitantes locais. Acontece, porém, que essa modificaçã­o afeta pequenas partes das cidades de Lisboa e Porto e numa medida cujo impacto me parece sobrevalor­izado: a freguesia lisboeta onde o negócio do alojamento local é mais intenso, Santa Maria Maior, segundo o mesmo estudo do ISCTE, tem uma pressão de 15% de habitações usadas para esse fim. A cidade de Lisboa, no seu todo, tem apenas, 2,4%.

Para ser franco, também não me lembro de a vida no centro de Lisboa ser tão boa como isso. Lembro- me de atravessar as décadas de 70, 80 e 90 do século XX e todo este século a ver em muitos dos bairros históricos casas fantástica­s conviverem com prédios de habitação degradados, alguns até a cair. Lembro- me de equipament­os de saneamento básico estarem por fazer, já no século XXI, em muitas dessas habitações. Lembro- me de locais de tráfego e consumo de drogas, de zonas de prostituiç­ão, de idosos a viverem, sós, no meio da confusão marginal. Lembro- me de o esforço das juntas de freguesia e da câmara municipal para manterem a vida suportável em muitos pontos problemáti­cos daqueles bairros não ser suficiente para resolver a imensidão de problemas. E nem toda essa vida indigente dos “bons velhos tempos” desaparece­u nos dias de hoje...

O negócio da venda de casas a meio milhão de euros para vistos gold inflaciono­u o mercado imobiliári­o. O aumento do número de hotéis tradiciona­is aumentou as hordas de turistas. Esses dois fatores conjugados fizeram certamente mais para alterar a vida no centro de Lisboa do que o alojamento local e foram decisivos para o aumento dos preços da habitação, na venda e no arrendamen­to.

Mas o que o Parlamento pretende fazer, com propostas de todos os partidos da esquerda mais o CDS/ PP, para resolver um problema de Lisboa e Porto é limitar ou condenar à morte a nível nacional o pequeno negócio de pessoas que tentaram viabilizar a sua vida financeira com os recursos que tinham à mão, o que não pode deixar de ser encarado por elas como uma perseguiçã­o do Estado injusta e, até, violenta. E as medidas apresentad­as acabam por não fazer mossa, na prática, aos grandes investidor­es e especulado­res!

Eu, que sou de esquerda, não encontro lógica numa esquerda, suposta defensora dos desfavorec­idos, capaz de propor medidas contra pequenos negócios de quase subsistênc­ia. É lamentável.

Declaração de falta de interesses: Não tenho negócios de alojamento local. Ninguém da minha família tem negócios de alojamento local. Não penso vir a entrar no negócio do alojamento local.

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