ROTEIRO DO FESTIVAL E CONVERSA COM ALLEN HALLOWEEN
Conhecido pelas letras cruas e diretas, bem como por um estilo de música que junta elementos do hip- hop com influências do rock mais pesado, o rapper luso- guineense é um dos nomes em destaque na edição deste ano do Vodafone Mexefest. Atua sábado no Teatro Capitólio, sobre o qual diz: “Nunca lá fui, mas disseram- me que aquilo está bonito.” Apesar de contar com mais de uma década de carreira e de ser considerado um dos mais originais artistas da nova música urbana, são raras as aparições de Halloween nos grandes festivais
Dez anos depois de ter aparecido com o Projeto Mary Witch, que representou uma verdadeira revolução no rap português, quem é hoje o Halloween? É um artista com muita mais experiência, porque também já foram muitos os palcos que pisei. Já editei mais dois discos e preparo- me para lançar mais um, no qual vou fazer uma abordagem mais acústica à minha música. Isso, sim, será uma grande mudança em comparação com o que tenho feito até aqui. Refere- se ao projeto Unplugueto, que tem revelado aos poucos na internet? Sim, é engraçado, porque as pessoas pensam que vai ser uma coisa completamente acústica, mas estamos a falar de rap e isso seria quase impossível. Trata- se de uma abordagem mais minimalista, livre de toda a parafernália tecnológica que habitualmente usamos, só com um MPC e uma guitarra semiacústica. Considera- se artista de rap ou de rock? Já não sou uma coisa nem outra. Pretendo ser original e conseguir criar um som próprio. Incomoda- me muito estarmos confinados a um quadrado, em que daqui até ali é rap e a seguir é outra coisa qualquer. Com o passar dos anos, o maior elogio que me podem fazer é mesmo esse, dizerem que a minha música soa a Halloween. Sempre tentei fazer o que gosto, sem estar preocupado se é rap ou rock. E acho que o tenho conseguido. As suas letras são conhecidas por serem muito cruas, de algum modo violentas, no sentido em que não é comum ouvir certas palavras de uma forma tão direta. O que o inspira? A minha música é inspirada no mundo real. Olho para tudo o que me rodeia e tento transformar em música e arte. Tento capturar sob a forma de música, quase como se fosse uma pintura. Não como uma foto, que é algo demasiado imediato e pode ser manipulável, pois só mostra um determinado momento. Nunca teve a tentação de manipular a realidade para a tornar mais doce e ser um artista mais acessível? Não o quero fazer e acho que não dá certo, porque não se consegue enganar as pessoas durante muito tempo. Não faço esta música para chocar, é também uma questão de inteligência. Os meus fãs conhecem- me e não posso estar a tentar passar uma imagem que não é real, apenas por uma questão de marketing. Não quero ser mais um papagaio. Define- se um artista de intervenção? Sim e não, porque essa é mais uma expressão para artistas mais políticos e a minha intervenção é a outro nível. Não acredito na política. Os problemas do mundo são tantos que já não podem ser resolvidos pelo homem, apenas por intervenção divina. A minha intervenção é ao nível do coração. Não quero mudar leis, mas o modo de olhar para o mundo. E tem conseguido? Creio que sim, porque a minha música mostra outros mundos a quem me ouve. Através dela já houve gente que começou a fazer música, o que é uma boa forma de fugir de outros caminhos complicados. A minha intervenção é nesse sentido, até porque, no geral, uma pessoa que ouve ou gosta de Halloween, não deverá ser, à partida, muito preconceituosa. Como é que vai ser este concerto no Vodafone Mexefest? Vai servir para a apresentar o tal disco acústico? Vou só tocar algumas, porque este espe- táculo não pede um alinhamento muito parado. No meio está prevista uma pausa, com uma breve parte acústica, para o público saber como será o álbum. Apesar dos elogios da crítica e de uma legião de fãs muito fiel, continua a não ser uma presença muito assídua nos grandes palcos. Porquê? Porque sempre fiz as coisas com total independência. Gosto de ir tocar aos sítios onde as pessoas me querem receber. Não gosto muito da sensação de atuar num determinado palco só porque um agente me enfiou lá e ninguém tem interesse em ouvir- me. É bom porque ganha- se dinheiro e consegue- se chegar a mais gente, mas vou estar a atuar para um público que não me pediu. Quem é o público do Halloween? Toco para qualquer público e o objetivo é chegar ao maior número de pessoas. Costumo dizer que sou tipo um bombardeiro americano, lanço a bomba e não quero saber de quem lá está. Se as pessoas gostarem, tanto melhor. Posso orgulhar- me de ter vários públicos. E porque é que isso acontece? Tem que ver com a minha visão da música. A maior parte das temáticas do rap feito em Portugal é a cultura hip- hop, quase como se um músico de rock fizesse canções a falar de guitarras elétricas e amplificadores. Também faço rap, mas desde o princípio que optei por falar da vida real e chego a muito mais pessoas assim.