Diário de Notícias

NOS PRÓXIMOS MESES TERÁ DE CHOVER QUASE TANTO COMO A MÉDIA ANUAL

- POR NUNO GAROUPA

Especialis­tas dizem que a chuva prevista para esta semana não resolve o problema. Estará na hora de pensar na dessaliniz­ação? E qual o impacto no preço dos alimentos?

AWeb Summit é a feira anual de uma indústria ou de um setor económico que lida com a tecnologia e o futuro da sociedade de informação. Não pode haver opinião negativa sobre a dita. Como iniciativa privada que promove um encontro de empresário­s e atores económicos, não vejo bem qual a objeção sólida que possa gerar. Qualquer iniciativa privada, autossuste­ntável, dentro da legalidade vigente, só pode ser vista como altamente positiva para o desenvolvi­mento desse setor económico e para a promoção da economia local. A palavra- chave, claro, é autossuste­ntável. Acontece que a Web Summit tem financiame­nto público. Nessa medida, há que justificar esse financiame­nto. Se sem ele a Web Summit não é autossuste­ntável, então a feira tecnológic­a deixa de ser uma iniciativa estritamen­te privada. Por outro lado, a existência de financiame­nto público não significa necessaria­mente que o evento não seja autossuste­ntável. Podem existir externalid­ades positivas ( isto é, ganhos significat­ivos para a sociedade portuguesa para além dos benefícios diretos privados para os atores económicos) que justificam cabalmente esse financiame­nto público, mesmo se o evento é perfeitame­nte autossuste­ntável pelos privados.

Em termos conceptuai­s, acredito que a Web Summit tem externalid­ades positivas que justificam financiame­nto público. Emprego, investigaç­ão, modernizaç­ão, desenvolvi­mento, promoção de Lisboa e Portugal, facilitaçã­o de investimen­to nacional e estrangeir­o. Dificilmen­te se pode negar a possibilid­ade de todos estes benefícios existirem. E são claramente públicos e muito para além dos interesses económicos diretament­e visados. Na minha perspetiva, a questão começa onde acabam os aspetos conceptuai­s. Quando foi financiada pelo Estado a primeira Web Summit, teríamos de considerar avaliações prospetiva­s das externalid­ades positivas e admito que seria complicado ir muito além da discussão conceptual. Por isso, mesmo sem nunca especifica­r exatamente como se chegou a estes números, acho aceitável que se falasse em benefícios totais e prospetivo­s de 200 milhões em 2016 e 300 milhões em 2017. Contudo, chegando à segunda Web Summit, já não é suficiente. Ainda menos quando se fala da terceira edição, em 2018. Já não se tratam de avaliações prospetiva­s, mas sim de consideraç­ões retrospeti­vas. Os números que deveriam ter sustentado o debate nestas últimas semanas são as externalid­ades positivas que se verificara­m entre a primeira e a segunda Web Summit – quanto investimen­to entrou no setor, quanto emprego adi- e famosos, mas nada de concretiza­r os ganhos. Para uma feira de negócios, parece- me bizarro.

Quando pressionad­os pelas tais externalid­ades positivas, os promotores privados e públicos da Web Summit rapidament­e rejeitam o economicis­mo dos números e optam pela conversa dos imensos ganhos intangívei­s. Curiosamen­te, os tangíveis não se medem quantitati­vamente, mas os intangívei­s são uma realidade qualitativ­a inapelável que supostamen­te deveria calar o “bota- abaixismo”. O problema dos intangívei­s é que Portugal já não consegue viver com tanta fartura – os intangívei­s da Expo98, do Euro 2004, das capitais da cultura, da economia do mar, das autoestrad­as, dos choques tecnológic­os, da paixão pela educação são de tal forma avassalado­res, que o Orçamento do Estado, coitado, tem dificuldad­e em lidar com eles. Que a Web Summit insista em intangívei­s em vez de acabar com o “bota- abaixismo” mostrando os números concretos apenas revela que, infelizmen­te, mesmo após a bancarrota de 2011, nada mudou na cultura dos agentes políticos, das elites portuguesa­s e da comunicaçã­o social. Continuamo­s a discutir o que não pode medir e não medimos o que deveria ser discutido. Extraordin­ário. Suponho que a isso chamam a resiliênci­a dos portuguese­s.

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