Diário de Notícias

Charles Landry explica como tornar as cidades “à prova de futuro”

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Na sua opinião quais as “doenças” que as cidades sofrem? E como se pode transforma­r as cidades? Temos de distinguir as pequenas cidades e as grandes cidades; as que estão a crescer ou não. Se falamos das que estão a crescer, como Lisboa ou Porto, a questão é se as grandes mudanças são bem recebidas pelos indivíduos. Obviamente também há problemas. Demasiado barulho, por exemplo; não haver uma grande mobilidade. Tudo isto gera stress. Por isso, por vezes as cidades mais pequenas são melhores e mais populares. É um grande desafio porque podes viver em Lisboa e estar separado dela. O que é preciso fazer para que os habitantes tenham uma fruição melhor das suas cidades? Em alguma das democracia­s ocidentais, a maioria na Europa, estamos a passar da democracia representa­tiva para uma democracia participat­iva. Há cada vez mais grupos de cidadãos que querem participar nos desenvolvi­mentos da cidade, porque sentem que há cada vez mais coisas a fugir do seu controlo. O mundo é cada vez mais diversific­ado, as coisas estão a mudar cada vez mais rapidament­e. As pessoas querem ter uma palavra a dizer: no cimo das suas preocupaçõ­es está a tentativa de ter uma melhor qualidade de vida. Um dos problemas é a desertific­ação. A administra­ção pública tem de falar com o setor privado e a sociedade para encontrar soluções além das tradiciona­is, para as questões sociais, comerciais, direitos cívicos etc. É preciso haver uma plataforma de diálogo. Também é importante analisar os problemas que surgem – como a divisão entre ricos e pobres. Se as cidades querem crescer têm de começar a pensar em algumas destas questões. De todos os projetos em que já esteve envolvido quais os mais desafiante­s? E que propostas fez? Os projetos mais desafiante­s em que estive envolvido recentemen­te foi quando vivi em Berlim por três meses. Está a crescer muito, tem muitas pessoas de fora a chegar, os preços do mercado imobiliári­o estão a subir. Está a ser muito especulati­vo. Tem de tentar ter controlo nos preços [ do mercado imobiliári­o]. Se andar de helicópter­o vê o cresciment­o e os diferentes tipos de cidade. E isto pode ser questões que surgem em qualquer cidade. Para mim, o que foi desafiante foi tentar descrever o que se tornaram e como se consegue controlar. Muito dos interesses que vi em Berlim, e em Lisboa também, estão a acontecer, estão ligados ao aumento do turismo. Muitos dos bairros em Berlim têm turis- tas que não trazem nada para a cidade. Tomando Berlim como exemplo, e Amesterdão também porque não querem muita mais gente a chegar, o turismo está a fazer muita pressão. Já nas pequenas cidades o desafio é dizer: esta é a minha cidade, é a minha vida, é o meu sonho. A cidade tem de ser um território aberto a novas ideias e projetos. Nesta sua visita às Caldas da Rainha com que impressão ficou? Do que conhece que conselhos pode dar? Já estive em Portugal várias vezes, talvez dez. A minha vinda às Caldas foi interessan­te. Não é uma cidade bonita. Tem a cerâmica que é uma coisa que se conhece. Tem preços mais baixos do que em Lisboa. Tem centros de inovação [ Silos – Contentor Criativo, que é um projeto de ateliês low- cost para projetos criativos instalados numa antiga fábrica de moagem]. É o sítio indicado para começar uma startup, por exemplo. Tem gente nova e gente idosa. É um sítio onde podes começar um sonho. Pode ter um papel importante no futuro. Também estou envolvido num projeto em Lisboa chamado construir uma cidade. É ter um olhar estratégic­o. Tentar antecipar os problemas que irão chegar, no caso de Lisboa, a pressão da desertific­ação, a di- › Charles Landry nasceu, em Inglaterra, em 1948. › Estudou em Inglaterra, Alemanha e Itália. › Considerad­o uma das maiores autoridade­s no estudo das cidades, tem mais de uma dezena de livros escritos, sendo The Creative City: A Toolkit for Urban Innovator ( 2000) e The Art of City Making ( 2006) dois dos mais conhecidos. Mais de 20 cidades já adaptaram as suas ideias para melhorar a qualidade de vida dos habitantes. ferença entre ricos e pobres, etc. Em termos desta região, é o oposto. O conselho a dar é diferente. Depende das circunstân­cias. Óbidos, por exemplo, o turismo interessa, mas as pessoas não podem sair. Nas Caldas da Rainha é mais barato começar uma startup aqui do que em Lisboa. Ou criar um plano para ter condições para as pessoas investirem. Claro que queres que os turistas venham aqui, mas também tens de evitar que sofra com o turismo de massas. Tem de ter soluções imaginativ­as. Ao longo dos anos de trabalho relacionad­o com o urbanismo como considera que as cidades evoluíram? E o que ainda falta mudar nas mentalidad­es dos responsáve­is pelo planeament­o das cidades? O meu maior projeto: a cidade cívica. O outro é sobre a burocracia. A administra­ção pública tem muito talento e qualidade. Só que o sistema tende a diminuir isso. A burocracia impede um novo mundo. Temos de aproveitar as suas qualidades pois a administra­ção pública é um grande player. Nas minhas pesquisas cheguei a falar com pessoas que dizem que trabalham menos 35% do que podiam. Este para mim é um dos grandes desafios do futuro.

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