Segue o circo
Imagine o que seria Portugal se os robôs tivessem sido proibidos nas fábricas, numa tentativa de preservar a mão de obra tradicional. Se as marcas e cadeias internacionais fossem interditas por cá, para forçar o consumo do que é produzido em casa. Se ainda hoje não se aceitasse o uso de isqueiros para promover e manter protegida a indústria dos fósforos. Parece tolice, não é? Mas hoje assistimos a algo de semelhante no setor dos transportes. Não, não vou perder tempo em análises qualitativas aos táxis, nem sequer a rebater os argumentos tolos usados nesta guerra. Uma coisa é verdade: há desigualdade no tratamento e na abordagem e todos têm sofrido com isso. E parece não haver grande vontade política de clarificar o assunto.
É uma evidência: há muito que os portugueses adotaram as novas formas de mobilidade. E é inegável que insistir em tentar impedir na justiça algo que já se enraizou na sociedade – e que não é crime nem tem vítimas – é pura perda de tempo e de recursos. Mas enquanto a proposta aprovada em Conselho de Ministros há quase um ano ficar fechada na gaveta, segue o circo. Um tribunal aceita que empresas como a Uber e a Cabify prestem serviço, outro diz que são ilegais, de vez em quando um carro é vandalizado, a polícia aplica umas multas, e andamos nesta palhaçada, a assobiar para o lado – com alta probabilidade de vários dos intervenientes estarem entre o mais de um milhão de portugueses que fizeram o download e utilizam estas plataformas. Defensor da evolução, como muitos outros governantes e deputados de todos os partidos, o secretário de Estado que promoveu a proposta aprovada em março vai lembrando que é necessário regulamentar uma atividade que tem milhares de trabalhadores que dela dependem. Os outros vão fazendo orelhas moucas. Uma coisa é certa: tem de haver uma explicação para a regulamentação de uma atividade que faz parte da vida dos portugueses estar há quase um ano guardada na gaveta. Parece que se esgotou rapidamente a coragem demonstrada de início, e que colocava Portugal na linha da frente dos países que se destacam na forma como abraçam a inovação em vez de tentarem travar o vento com as mãos.