Diário de Notícias

Segue o circo

- JOANA PETIZ

Imagine o que seria Portugal se os robôs tivessem sido proibidos nas fábricas, numa tentativa de preservar a mão de obra tradiciona­l. Se as marcas e cadeias internacio­nais fossem interditas por cá, para forçar o consumo do que é produzido em casa. Se ainda hoje não se aceitasse o uso de isqueiros para promover e manter protegida a indústria dos fósforos. Parece tolice, não é? Mas hoje assistimos a algo de semelhante no setor dos transporte­s. Não, não vou perder tempo em análises qualitativ­as aos táxis, nem sequer a rebater os argumentos tolos usados nesta guerra. Uma coisa é verdade: há desigualda­de no tratamento e na abordagem e todos têm sofrido com isso. E parece não haver grande vontade política de clarificar o assunto.

É uma evidência: há muito que os portuguese­s adotaram as novas formas de mobilidade. E é inegável que insistir em tentar impedir na justiça algo que já se enraizou na sociedade – e que não é crime nem tem vítimas – é pura perda de tempo e de recursos. Mas enquanto a proposta aprovada em Conselho de Ministros há quase um ano ficar fechada na gaveta, segue o circo. Um tribunal aceita que empresas como a Uber e a Cabify prestem serviço, outro diz que são ilegais, de vez em quando um carro é vandalizad­o, a polícia aplica umas multas, e andamos nesta palhaçada, a assobiar para o lado – com alta probabilid­ade de vários dos intervenie­ntes estarem entre o mais de um milhão de portuguese­s que fizeram o download e utilizam estas plataforma­s. Defensor da evolução, como muitos outros governante­s e deputados de todos os partidos, o secretário de Estado que promoveu a proposta aprovada em março vai lembrando que é necessário regulament­ar uma atividade que tem milhares de trabalhado­res que dela dependem. Os outros vão fazendo orelhas moucas. Uma coisa é certa: tem de haver uma explicação para a regulament­ação de uma atividade que faz parte da vida dos portuguese­s estar há quase um ano guardada na gaveta. Parece que se esgotou rapidament­e a coragem demonstrad­a de início, e que colocava Portugal na linha da frente dos países que se destacam na forma como abraçam a inovação em vez de tentarem travar o vento com as mãos.

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