Diário de Notícias

Como nas claques

- POR ANTÓNIO BARRETO Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfic­o.

Acomparaçã­o já foi feita: o debate político parece-se cada vez mais com o futebol e respectiva­s claques. O que interessa é a cor e a camisola. O que conta é saber quem apoia e quem critica. Ou quem é apoiado e quem é condenado. O caso, o objectivo, a decisão, o programa, o valor e a ideia são de menor apreço e quase indiferent­es. Importa, isso sim, é saber se é a favor ou contra o grupo, o chefe e o partido. Importa berrar e bramar, ameaçar e apoiar, vibrar de prazer ou rosnar de ódio, bajular ou agredir. Se os meus são criminosos, desculpam-se, porque a culpa é dos outros, batoteiros por definição.

Os meus têm valores. Os outros têm interesses. Os meus têm causas. Os outros têm bolsos. Os meus preocupam-se com o interesse nacional e o bem comum. Os outros só pensam nos seus grupos e nas suas corporaçõe­s. Os meus são democratas, justos, racionais, eficientes, com causas, pergaminho­s sociais, cultura e mérito. Os outros são candidatos a ditadores, oportunist­as, mentirosos, prisioneir­os dos lobbies e defensores de interesses ocultos. Se entre os meus já houve corruptos e aldrabões, esquecemo-nos facilmente. Os corruptos dos outros, por seu turno, são eternos.

Ouvir os socialista­s falar hoje dos sociais-democratas e dos populares é ficar a conhecer um rosário de insultos e calúnias. Só comparável ao que se ouve aos sociais-democratas quando estes se exprimem sobre os socialista­s; aos comunistas e aos bloquistas quando se referem aos partidos da direita; e a todos e cada um quando se exprimem sobre os outros. Um dos objectivos desta oratória consiste em explicar os saneamento­s políticos e as nomeações dos amigos: os que vão sair são incompeten­tes, mentirosos e eventualme­nte corruptos. Os que entram, os meus, são exemplos de virtude e competênci­a.

Outra dimensão de fino recorte intelectua­l é a da culpa. Não fui eu, foste tu! Não fomos nós, foram vocês! O vosso governo fez muito pior! A culpa é do governo anterior! As causas já vinham de trás! A pobreza e a miséria dos professore­s, a destruição do Serviço Nacional de Saúde, a imprevidên­cia na Protecção Civil e a vulnerabil­idade das instalaçõe­s militares são da total responsabi­lidade do governo anterior. Assim como o aumento das desigualda­des sociais. Ou o escândalo das energias renováveis. Tal como o anterior governo dizia. E o antes desse.

A este tom grave de acusação não correspond­e depois acção judicial. Nem sequer demonstraç­ão pública das malfeitori­as dos outros. Bem se pode esperar para saber mais sobre as famigerada­s parcerias, as falências bancárias, as fugas de milhares de milhões, os offshores, a descapital­ização fraudulent­a, o mero roubo e os ajustes directos! Bem se pode esperar pela conclusão de processos de negligênci­a na Protecção Civil!

Como o futebol, a política têm regras próprias e especiais. É permitido mentir, ameaçar, caluniar, roubar, corromper e não cumprir os contratos... E quando não é permitido é tolerado. E se não é tolerado, o autor fica, em geral, impune. A verdade é que, como no futebol, o que os meus fazem é justo, o que os outros fazem é crime. Os meus podem “meter a mão”, quebrar os pés do adversário e faltar às regras, desde que o árbitro ou o juiz não vejam. A grandeza deste debate e a qualidade destes termos são surpreende­ntes! A escola de oratória política e parlamenta­r é hoje o comentário desportivo das televisões, horas a fio, diariament­e, em todos os canais! O que criou o estilo político parlamenta­r foi a televisão, o futebol, a democracia directa dentro dos partidos e o sistema eleitoral. O que se diz, mente ou berra não se destina a ser ouvido pelos eleitores, mas sim pelos colegas de partido. São eles que decidirão se um deputado é fiel ao chefe e se é suficiente­mente agressivo contra os inimigos. Não parece que tão cedo haja condições para alterar este estado de coisas. A calúnia e o insulto têm uma função redentora: a de servir de biombo à falta de justiça.

Ouvir os socialista­s falar dos sociais-democratas e dos populares é ficar a conhecer um rosário de insultos e calúnias. Só comparável ao que se ouve aos sociais-democratas quando se exprimem sobre os socialista­s; aos comunistas e aos bloquistas quando se referem aos partidos da direita

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