Autarquias: “Surpreendentes omissões” na proposta do governo
O primeiro-ministro apontou o ano de 2021 como meta para o cumprimento integral da Lei de Finanças Locais. No congresso dos municípios, o PSD ficou dividido
A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), presidida pelo socialista Manuel Machado, considera que o anteprojeto do governo para a nova Lei das Finanças Locais revela “surpreendentes omissões” em questões “relevantes” da receita destinada a financiar a descentralização de competências do poder central para o local. A ANMP reuniu este sábado em congresso e o primeiro-ministro indicou 2021, final do atual mandato autárquico, como a meta para o cumprimento integral dessa legislação.
Num parecer, a que a agência Lusa teve acesso, designado “Notas de Apreciação ao Anteprojeto” da nova Lei das Finanças Locais, a ANMP considera que “deve haver correção, com a introdução de normas objetivas” na proposta entregue pelo governo à associação em 30 de novembro. “No que se refere às principais questões relevantes, verificam-se surpreendentes omissões, ficando por definir e por regulamentar quase tudo o que é mais importante, sendo adiado, sem concretização na própria lei”, é salientado neste documento de trabalho.
Em causa estão os dois novos instrumentos “mais importantes, em termos de receita” , seja a nova “participação na receita do IVA, seja o Fundo de Financiamento da Descentralização (FFD)”, os quais, é sublinhado neste parecer, “são apenas referidos de passagem no anteprojeto de diploma, sem quaisquer quantificações, desenvolvimentos, critérios ou balizas”. Para a ANMP, a situação “torna-se ainda mais preocupante” quando aqueles recursos serão distribuídos de acordo com o previsto nas respetivas leis e decretos-lei de âmbito setorial relativos às áreas a descentralizar, nos termos da lei-quadro da descentralização, mas não constam daqueles projetos de diploma.
A participação na receita do IVA, que carece de uma definição “de forma concreta”, faz parte do cálculo da capitação para determinar a compensação associada ao Fundo de Coesão Municipal, tornando-se indispensável para perceber “a dimensão e o peso desta nova parcela no montante global a transferir”. A associação defende que o adiamento para 2023 da aplicação integral das transferências financeiras do Orçamento do Estado para os municípios, e para as entidades intermunicipais, “não faz sentido, devendo antecipar-se para 2019”.
Na sua intervenção de ontem, o chefe do executivo, António Costa, indicou que a “meta para o cumprimento integral da Lei de Finanças Locais” é “até ao final do mandato autárquico (2021)”. Para isso, explicou o governante, terá de se ir medindo, ano a ano, “as condições” para concretizar esse objetivo. “Aquilo que propusemos à Associação Nacional de Municípios é que o Conselho Coordenador das Finanças Públicas, onde as autarquias estão presentes, anualmente em março, possa estabelecer entre um mínimo de 20 e um máximo de 25% o ritmo da convergência para cumprimento integral da Lei das Finanças Locais”, declarou.
A par da revisão da Lei das Finanças Locais, o governante considerou ser tempo de avançar com o processo de descentralização, nomeadamente nas áreas da educação, saúde e ação social, e de “afastar fantasmas” sobre quem receia a transferência de competências para as autarquias. Sobre este processo, Bernardino Soares, presidente da Câmara de Loures, eleito pela CDU e vice-presidente do Conselho Geral da ANMP, fez alguns avisos sobre os riscos de se descentralizarem competências, sem o respetivo financiamento adequado. “Todas as experiências anteriores de transferência de competências foram feitas assim, com prejuízos para os recursos das autarquias, e ao que parece a atual vai pelo mesmo caminho, parece que a opção é qualquer coisa como ‘levam agora as competências e logo se verá quando vem o dinheiro e em que condições’”, declarou.
Entre os autarcas do PSD o dia ficou marcado por uma rutura a propósito de uma proposta do presidente da Câmara de Cascais, Carlos Carreiras. O autarca sugeriu que fosse criado um “G15+15 municipal”, com os 15 maiores concelhos e 15 capitais de distrito, defendendo ser preciso “um novo fórum de poder local” com “novas plataformas de cooperação e planeamento regional” e sinalizando a sua “frustração” com o balanço do atual mandato. “A ANMP vale menos do que a soma das suas partes. E isso não serve ninguém: nem a organização, nem as partes que a compõem”, apontou Carreiras, que ocupou o cargo de vicepresidente do Conselho Geral. Carreiras frisou que “todas as economias avançadas de nações prósperas estão hoje apoiadas em clusters urbanos robustos e competitivos, nos quais as fronteiras são definidas por canais de comunicação e não por linhas geográficas desenhadas em velhos mapas”.
Estas críticas mereceram a “discordância absoluta” de Ribau Esteves, eleito pelo PSD para a Câmara de Aveiro e vice-presidente do Conselho Diretivo da ANMP. “Não é seguramente com divisionismos que nós vamos fortalecer os municípios portugueses. Isto de criar um grupinho de 15 ou de 30 é seguramente um contributo centralista, sem sentido para uma entidade que quer ser, e tem sido e quer ser mais descentralizadora”, assinalou. Para o autarca, os municípios serão “mais poderosos com a participação mais intensa de todos os 308 municípios”, sublinhando que vêm “trabalhando muito” com o atual e o anterior governo. Com Lusa