Português num dos grupos mais elitistas da Volvo Ocean Race
Vela. A etapa Alicante-Melbourne inicia-se hoje, com António Fontes como navegador de uma das equipas. Nunca nenhum português tinha ocupado posição tão importante nesta regata
Sessenta e três velejadores partem hoje, distribuídos por sete equipas, para a 3.ª etapa da Volvo Ocean Race (VOR), a maior regata de volta ao mundo (oito meses para percorrer 45 mil milhas, com paragem em 12 cidades de seis continentes).
Ora entre esses 63 velejadores há dois “clubes” muito restritos: o dos skippers (comandantes), que são sete – um por cada equipa –, e o dos respetivos navegadores, outros sete. Este grupo dos navegadores – que são quem basicamente define as rotas a seguir, tendo em conta a meteorologia e as necessidades táticas da equipa – vai, pela primeira vez na história de 44 anos desta regata, integrar um velejador português.
António Fontes, 34 anos, foi promovido de velejador suplente na equipa Scallywag a navegador – e hoje, ao fim da manhã, inicia na Cidade do Cabo aquele que é garantidamente o maior desafio de sempre da sua carreira profissional. Foi chamado a substituir o britânico Steve Hayles, que resolveu voltar a casa depois de duas etapas, por razões que não foram explicadas. E isso acontecerá naquela que se antecipa como uma das etapas mais duras desta regata de volta ao mundo, Cidade do Cabo (África do Sul)-Melbourne (Austrália) – ou seja, 6500 milhas (12 mil km) pelos furiosos mares do Sul, onde o mar e vento circulam livremente sem oposição de nenhum continente. Uma etapa que naVolvo Ocean Race é retratada como “o regresso do filho pródigo” – há 12 anos que estava ausente do mapa da prova. Ventos fortíssimos, vagas da altura de prédios, frio de gelar, icebergues à vista e muita navegação à popa, ou seja, tudo sempre a alta velocidade.
Uma etapa que é também um desafio à prudência e à necessidade de equilíbrio entre a ambição de chegar primeiro e a indispensabilidade de não forçar os materiais ao ponto da rutura – com mastros partidos, por exemplo.
Os mares do Sul são o alfa e o ómega da vela internacional oceânica – nenhum velejador oceânico se pode verdadeiramente considerar como tal se não os percorrer pelo menos uma vez na vida. E o Everest desta experiência será, al- gumas etapas mais adiante, passar pelo cabo Horn (extremo Sul da América do Sul, ligação entre o Pacífico e o Atlântico). Há na verdade mais montanhistas que chegaram ao ponto mais alto dos Himalaias do que velejadores que passaram pelo Horn – medida que dá ideia da dificuldade da missão.
António Fontes acede ao seleto clube dos navegadores por via da sua própria maratona pessoal de formação como homem do mar e velejador. Ter conseguido o lugar de suplente na equipa Scallywag resultou de ter passado dois anos a trabalhar no estaleiro da VOR em Pedrouços, onde conheceu os barcos ao mais ínfimo pormenor. Mais do que um velejador, é alguém com conhecimentos para lidar com todos os problemas técnicos que surjam a bordo. E foi aqui que conheceu a equipa do Scallywag e o respetivo skipper, o australiano David Witt. As suas valências como mecânico deram-lhe um primeiro contrato com a equipa para a tripulação de terra.
Mas isto acontece também porque antes do estaleiro iniciou uma carreira como navegador solitário em regatas de travessia do Atlântico – e não há maneira de velejar sozinho sem saber de navegação. E antes já tinha feito a licenciatura em pilotagem na Escola Náutica de Paço d’Arcos, além de diversas formações em meteorologia de regata. Tudo somado, torna normal esta promoção – mas não ilude o facto de nunca nenhum português ter tido uma posição tão relevante na mais importante de todas as regatas de volta ao mundo.