Mike Pence, o ventríloquo
OBERNARDO
PIRES DE LIMA autor moral da declaração feita pelo presidente Trump não foi, curiosamente, o próprio, que à moral deve pouco. Um pouco mais recuado, com o semblante do costume, como se não fosse nada com ele, estava o vice-presidente Mike Pence, o republicano que nas últimas décadas mais rapidamente saiu do anonimato para uma posição de comando da política nacional e internacional. Idolatrado pelo eleitorado evangélico, Pence tem feito o seu caminho com discrição, surgindo muitas vezes como o anjo ponderado do ticket presidencial em comparação com o destemperamento visceral do senhor Trump. Tem escapado com mestria a todos os casos que diariamente têm assolado diversos membros do círculo próximo do presidente, causando várias demissões e acelerando uma cada vez mais evidente exposição a conflitos de interesses. Pence é o rosto sereno de uma guerra cultural em curso sem precisar de sujar as mãos. Se Trump necessita dele ao lado para uma demonstração de solidez junto da base eleitoral que até agora não desmobilizou, Pence lá vai acenando com a cabeça quando é chamado a ficar imediatamente atrás do chefe para não levantar qualquer perceção de traição. Assim chegámos à polémica declaração sobre Jerusalém: todos os holofotes em Trump, nenhum comentário sobre Pence.
Têm razão aqueles que dizem não ser inédito que um presidente americano manifeste publicamente a sua posição sobre o estatuto de Jerusalém, beneficiando Israel como único titular da Cidade Santa. Obama, por exemplo, chegou a admiti-lo. No entanto, há uma pequena grande diferença entre uma tomada de posição individual – seja ou não no calor de uma campanha eleitoral – e vinculá-la a uma posição de Estado por meio de uma decisão política. Essa linha, como sabemos, Obama nunca a ultrapassou. E o facto de existir uma resolução do Congresso de 1995 sobre o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, tal não significa que o presidente esteja vinculado a esse instrumento jurídico-político. Não está. Há inúmeras resoluções do Congresso sobre o alargamento da NATO à Geórgia, por exemplo, e não é por isso que os EUA tomaram qualquer decisão em sede do Conselho do Atlântico Norte.
O mesmo aconteceu quando o Congresso americano passou em 1998 – com unanimidade no Senado e apenas 38 votos contra na Câmara dos Representantes – o Iraq Liberation Act, que não só previa assistência financeira direta à oposição a Saddam Hussein como a mudança de regime no Iraque. E não estou só a falar de um ato legislativo, mas de uma promulgação do presidente Clinton. Não será das memórias mais frescas do seu mandato, mas a verdade é que o Iraque foi bombardeado (sem resoluções da ONU) em quatro momentos distintos no espaço de cinco anos (1993-1998). No entanto, sabiamente, Bill Clinton nunca se atreveu a derrubar Saddam, correndo assim o risco de gerar um vazio, seguido de um caos, alimentado por um conflito tribal que iria