Diário de Notícias

UMA LIÇÃO DE CINEMA À BOLEIA DOS FILMES DE SPIELBERG

- PAULO TAVARES JORNALISTA

1Mário Centeno há de passar os primeiros dois anos do seu mandato no Eurogrupo a gerir a tensão entre a necessidad­e de manter o equilíbrio das contas caseiras e a tentativa de defender e afirmar um rumo alternativ­o para a Europa. O primeiro resultado dessa tensão é a garantia de que daqui às eleições de 2019 pouco ou nada mudará na política orçamental portuguesa. Seja por questão reputacion­al – Centeno-presidente-do-Eurogrupo terá de dar o exemplo – seja por convicção, o caminho é para manter.

Talvez isso explique as nada subtis mudanças de humor nas relações entre Catarina Martins e António Costa – o último debate quinzenal é um exemplo – e mais subtis com Jerónimo de Sousa.

Primeiro, estamos a falar de uma área em que nunca houve nem é possível que haja entendimen­to: a política europeia e os compromiss­os de Portugal com Bruxelas e Frankfurt. No fundo e aos olhos da esquerda, Mário Centeno acaba de ser tomado refém pelas forças do mal. Depois, há a questão interna. Com os acordos – posições conjuntas – quase esgotados, só restava a Catarina e a Jerónimo fazer uma travessia do deserto com o OE 2018 ambicionan­do ganhos de causa marginais através de uma guerra de baixa intensidad­e no Parlamento e nas ruas, e apostar tudo na reanimação das suas agendas a reboque de uma eventual maré eleitorali­sta liderada por António Costa no OE 2019. Com Mário Centeno no Eurogrupo, esta estratégia parece altamente improvável.

Dito isto, o que esteve na origem das duras críticas de Catarina Martins ao governo no debate quinzenal desta semana – o volte face do executivo na taxa sobre as renováveis – contém outros sinais perigosos para a saúde dos acordos entre o PS e os seus parceiros. Dando como boa a versão da coordenado­ra do Bloco, a medida foi negociada com o Ministério da Economia e validada pelas Finanças. O resto da história é conhecido. A ideia acabou inviabiliz­ada pelo PS na votação do Orçamento. Ora, para lá do sentido que cada um possa dar a uma decisão que, tendo desautoriz­ado o Ministério das Finanças, só pode ter vindo do gabinete de Costa, o que importa aqui é a forma, o procedimen­to. Se a ideia do primeiro-ministro é criar ruído na coordenaçã­o entre governo e quem o apoia no Parlamento, está no bom caminho. Não me parece que esteja reservada uma segunda metade de legislatur­a tranquila.

Se António Costa tem todas as respostas previstas num secreto plano estratégic­o daqui até setembro de 2019, não sabemos. O que temos à vista é um governo que, estranhame­nte e apesar de uma conjuntura francament­e favorável, vai insistindo em dar tiros nos pés.

2Estamos quase a meio de dezembro, já passaram dois meses sobre os incêndios de 15 de outubro e ainda se aguarda que a nova comissão técnica independen­te comece a trabalhar. Estamos quase no fim do ano e ainda sobram dúvidas sobre indemnizaç­ões às famílias das vítimas dos incêndios de Pedrógão – há quase seis meses –, ou sobre quem vai ter direito a ajuda para reconstrui­r casas. Estamos a um passo de 2018 e continuamo­s sem saber ao certo o que se passou num dos principais paióis das Forças Armadas no início de julho. Estamos a esta altura no mesmo ponto em que estava o ministro da Defesa na entrevista ao DN/TSF em setembro – não sabemos se alguém entrou em Tancos e, no limite, até podemos desconfiar que não houve furto. A história é inacreditá­vel – desde as circunstân­cias em que desaparece­u o material ao tipo de armamento furtado, passando pela graciosa devolução de armas e explosivos – e só por isso merecia explicação detalhada e responsabi­lização. Cinco meses e quase nada aconteceu. Em todas estas situações, de uma forma ou de outra, o Estado falhou. E continua a falhar quando não são dadas respostas a cidadãos e a contribuin­tes.

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