UMA LIÇÃO DE CINEMA À BOLEIA DOS FILMES DE SPIELBERG
1Mário Centeno há de passar os primeiros dois anos do seu mandato no Eurogrupo a gerir a tensão entre a necessidade de manter o equilíbrio das contas caseiras e a tentativa de defender e afirmar um rumo alternativo para a Europa. O primeiro resultado dessa tensão é a garantia de que daqui às eleições de 2019 pouco ou nada mudará na política orçamental portuguesa. Seja por questão reputacional – Centeno-presidente-do-Eurogrupo terá de dar o exemplo – seja por convicção, o caminho é para manter.
Talvez isso explique as nada subtis mudanças de humor nas relações entre Catarina Martins e António Costa – o último debate quinzenal é um exemplo – e mais subtis com Jerónimo de Sousa.
Primeiro, estamos a falar de uma área em que nunca houve nem é possível que haja entendimento: a política europeia e os compromissos de Portugal com Bruxelas e Frankfurt. No fundo e aos olhos da esquerda, Mário Centeno acaba de ser tomado refém pelas forças do mal. Depois, há a questão interna. Com os acordos – posições conjuntas – quase esgotados, só restava a Catarina e a Jerónimo fazer uma travessia do deserto com o OE 2018 ambicionando ganhos de causa marginais através de uma guerra de baixa intensidade no Parlamento e nas ruas, e apostar tudo na reanimação das suas agendas a reboque de uma eventual maré eleitoralista liderada por António Costa no OE 2019. Com Mário Centeno no Eurogrupo, esta estratégia parece altamente improvável.
Dito isto, o que esteve na origem das duras críticas de Catarina Martins ao governo no debate quinzenal desta semana – o volte face do executivo na taxa sobre as renováveis – contém outros sinais perigosos para a saúde dos acordos entre o PS e os seus parceiros. Dando como boa a versão da coordenadora do Bloco, a medida foi negociada com o Ministério da Economia e validada pelas Finanças. O resto da história é conhecido. A ideia acabou inviabilizada pelo PS na votação do Orçamento. Ora, para lá do sentido que cada um possa dar a uma decisão que, tendo desautorizado o Ministério das Finanças, só pode ter vindo do gabinete de Costa, o que importa aqui é a forma, o procedimento. Se a ideia do primeiro-ministro é criar ruído na coordenação entre governo e quem o apoia no Parlamento, está no bom caminho. Não me parece que esteja reservada uma segunda metade de legislatura tranquila.
Se António Costa tem todas as respostas previstas num secreto plano estratégico daqui até setembro de 2019, não sabemos. O que temos à vista é um governo que, estranhamente e apesar de uma conjuntura francamente favorável, vai insistindo em dar tiros nos pés.
2Estamos quase a meio de dezembro, já passaram dois meses sobre os incêndios de 15 de outubro e ainda se aguarda que a nova comissão técnica independente comece a trabalhar. Estamos quase no fim do ano e ainda sobram dúvidas sobre indemnizações às famílias das vítimas dos incêndios de Pedrógão – há quase seis meses –, ou sobre quem vai ter direito a ajuda para reconstruir casas. Estamos a um passo de 2018 e continuamos sem saber ao certo o que se passou num dos principais paióis das Forças Armadas no início de julho. Estamos a esta altura no mesmo ponto em que estava o ministro da Defesa na entrevista ao DN/TSF em setembro – não sabemos se alguém entrou em Tancos e, no limite, até podemos desconfiar que não houve furto. A história é inacreditável – desde as circunstâncias em que desapareceu o material ao tipo de armamento furtado, passando pela graciosa devolução de armas e explosivos – e só por isso merecia explicação detalhada e responsabilização. Cinco meses e quase nada aconteceu. Em todas estas situações, de uma forma ou de outra, o Estado falhou. E continua a falhar quando não são dadas respostas a cidadãos e a contribuintes.