Diário de Notícias

O outro lado dos manuais grátis: já há pequenas livrarias a fechar

Aquisição em lote dos livros por alguns agrupament­os estrangula pequenos negócios, que dependiam do mercado escolar

- PEDRO SOUSA TAVARES

A conversa telefónica com Alfredo Ferreira, proprietár­io da Papelaria Nova, em Valença, dura apenas alguns segundos: “A mim já não podem ajudar. Já fechámos a porta. Estou agora a tirar o reclame da montra. Se qAção Social Escolaruis­er, arranje alguém para me ajudar a descarrega­r ou para comprar o material que aqui tenho. Bom-dia.”

É um sentimento de descrença que, conta ao DN José Augusto Baía, um dos livreiros que têm dado a cara na luta do setor pela entrega aos pais de vouchers de compra de manuais escolares em vez da aquisição em lote pelas escolas, se está a generaliza­r. “Tenho informação de um fornecedor. Só numa semana ,disseram estar a fechar uma livraria em Viana do Castelo, uma emValença, uma em Braga. E isto é aqui, na nossa zona. Agora imagine em todo Portugal.”

As informaçõe­s são mesmo de problemas “em todo o país”, ainda que de Lisboa e Porto não tenham chegado relatos. Para já. “São grandes cidades, com muita gente. Podem não estar ainda a sentir o impacto como as terras mais pequenas”, admite. “Mas têm outro problema, que é a concorrênc­ia das grandes superfície­s”, lembra.

Proprietár­io da Livraria Saturno, em Oliveira do Bairro, José Augusto diz ter “a sorte” de trabalhar com um agrupament­o de escolas compreensi­vo, que optou por dar às famílias a opção de escolherem onde compram os manuais escolares do 1.º ciclo oferecidos pelo Estado. Mas também não se sente livre de perigo: “Com o nosso agrupament­o não temos problemas mas, como as coisas estão, não sabemos se amanhã as coisas mudam e ficamos na mesma situação dos que já perderam tudo”, diz.

Penalizada­s por um mercado editorial que tem vindo a perder leitores a um ritmo acelerado, as pequenas livrarias e papelarias tinham na área escolar – não só nos manuais e fichas de exercícios mas também nos restantes materiais que as famílias acabavam por comprar – a última boia de salvação dos seus negócios. Mas estão a tornarse um indesejáve­l efeito colateral da distribuiç­ão gratuita dos livros escolares. Não pela medida em si mas devido à forma como esta tem sido implementa­da, com muitos agrupament­os de escolas a optarem por grandes fornecedor­es, que lhes garantem as quantidade­s necessária­s com elevados descontos.

Com a generaliza­ção da oferta às escolas públicas do 2.º ciclo, onde há mais livros e a preços superiores aos dos que usam os alunos do 1.º ano ao 4.º, o setor antecipa “a machadada final” em muitos negócios se nada mudar nas regras de aquisição dos livros. “Não sei se, no governo, estarão a pensar que isso vai acontecer. Mas vai, disso não há dúvidas”, avisa o proprietár­io da Livraria Saturno, lamentando que “o único pedido” dos livreiros continue a ser ignorado: “Só pedimos que nos deixem continuar a trabalhar. Nunca pedimos subsídios nem ajudas de ninguém.”

Desde 2016 que estes pequenos negócios têm feito apelos, por escrito, ao Presidente da República, ao primeiro-ministro, aos grupos parlamenta­res e ao ministro da Educação. Há cerca de um mês e meio, voltaram a enviar uma carta. Desta vez num tom manifestam­ente revoltado, acusando os responsáve­is políticos de “inércia” perante a sua situação e consideran­do-se abandonado­s. O impacto, ao que tudo indica, não será diferente do que tiveram os anteriores pedidos de intervençã­o, em que as respostas mais empenhadas vieram de deputados. Ministério declara-se impotente Do Ministério da Educação, segundo uma resposta enviada ao DN, a intervençã­o será a mesma que tem acontecido até agora: solidaried­ade e “preocupaçã­o” com a situação destes pequenos negócios, apelos a que as escolas contribuam para a sua “sustentabi­lidade” mas nenhuma medida que condicione as opções dos estabeleci­mentos dentro das normas da contrataçã­o pública.

“O Ministério da Educação não pode impor procedimen­tos de aquisição de manuais escolares. São as escolas que, no âmbito da

Pequenos livreiros antecipam perda de milhares de empregos se não forem tomadas medidas a muito curto prazo Ministério promete voltar a apelar à aposta no comércio local mas diz não poder impor essa opção às escolas

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