O outro lado dos manuais grátis: já há pequenas livrarias a fechar
Aquisição em lote dos livros por alguns agrupamentos estrangula pequenos negócios, que dependiam do mercado escolar
A conversa telefónica com Alfredo Ferreira, proprietário da Papelaria Nova, em Valença, dura apenas alguns segundos: “A mim já não podem ajudar. Já fechámos a porta. Estou agora a tirar o reclame da montra. Se qAção Social Escolaruiser, arranje alguém para me ajudar a descarregar ou para comprar o material que aqui tenho. Bom-dia.”
É um sentimento de descrença que, conta ao DN José Augusto Baía, um dos livreiros que têm dado a cara na luta do setor pela entrega aos pais de vouchers de compra de manuais escolares em vez da aquisição em lote pelas escolas, se está a generalizar. “Tenho informação de um fornecedor. Só numa semana ,disseram estar a fechar uma livraria em Viana do Castelo, uma emValença, uma em Braga. E isto é aqui, na nossa zona. Agora imagine em todo Portugal.”
As informações são mesmo de problemas “em todo o país”, ainda que de Lisboa e Porto não tenham chegado relatos. Para já. “São grandes cidades, com muita gente. Podem não estar ainda a sentir o impacto como as terras mais pequenas”, admite. “Mas têm outro problema, que é a concorrência das grandes superfícies”, lembra.
Proprietário da Livraria Saturno, em Oliveira do Bairro, José Augusto diz ter “a sorte” de trabalhar com um agrupamento de escolas compreensivo, que optou por dar às famílias a opção de escolherem onde compram os manuais escolares do 1.º ciclo oferecidos pelo Estado. Mas também não se sente livre de perigo: “Com o nosso agrupamento não temos problemas mas, como as coisas estão, não sabemos se amanhã as coisas mudam e ficamos na mesma situação dos que já perderam tudo”, diz.
Penalizadas por um mercado editorial que tem vindo a perder leitores a um ritmo acelerado, as pequenas livrarias e papelarias tinham na área escolar – não só nos manuais e fichas de exercícios mas também nos restantes materiais que as famílias acabavam por comprar – a última boia de salvação dos seus negócios. Mas estão a tornarse um indesejável efeito colateral da distribuição gratuita dos livros escolares. Não pela medida em si mas devido à forma como esta tem sido implementada, com muitos agrupamentos de escolas a optarem por grandes fornecedores, que lhes garantem as quantidades necessárias com elevados descontos.
Com a generalização da oferta às escolas públicas do 2.º ciclo, onde há mais livros e a preços superiores aos dos que usam os alunos do 1.º ano ao 4.º, o setor antecipa “a machadada final” em muitos negócios se nada mudar nas regras de aquisição dos livros. “Não sei se, no governo, estarão a pensar que isso vai acontecer. Mas vai, disso não há dúvidas”, avisa o proprietário da Livraria Saturno, lamentando que “o único pedido” dos livreiros continue a ser ignorado: “Só pedimos que nos deixem continuar a trabalhar. Nunca pedimos subsídios nem ajudas de ninguém.”
Desde 2016 que estes pequenos negócios têm feito apelos, por escrito, ao Presidente da República, ao primeiro-ministro, aos grupos parlamentares e ao ministro da Educação. Há cerca de um mês e meio, voltaram a enviar uma carta. Desta vez num tom manifestamente revoltado, acusando os responsáveis políticos de “inércia” perante a sua situação e considerando-se abandonados. O impacto, ao que tudo indica, não será diferente do que tiveram os anteriores pedidos de intervenção, em que as respostas mais empenhadas vieram de deputados. Ministério declara-se impotente Do Ministério da Educação, segundo uma resposta enviada ao DN, a intervenção será a mesma que tem acontecido até agora: solidariedade e “preocupação” com a situação destes pequenos negócios, apelos a que as escolas contribuam para a sua “sustentabilidade” mas nenhuma medida que condicione as opções dos estabelecimentos dentro das normas da contratação pública.
“O Ministério da Educação não pode impor procedimentos de aquisição de manuais escolares. São as escolas que, no âmbito da
Pequenos livreiros antecipam perda de milhares de empregos se não forem tomadas medidas a muito curto prazo Ministério promete voltar a apelar à aposta no comércio local mas diz não poder impor essa opção às escolas