Diário de Notícias

Férias Hospitais obrigados a pedir médicos à hora para mais de metade do mês

Algarve e Amadora-Sintra – que paga acima dos habituais 20 euros/hora – são dos que mais estão a contratar para assegurar urgências em dezembro. Muitos pedidos são para mais do que um médico em turnos de 12 horas.

- PEDRO VILELA MARQUES

Valores pagos por hora variam entre os 20 euros, em dias normais, e os 25 euros nas alturas de maiores necessidad­es

Há muitos hospitais de norte a sul do país que ainda dependem de médicos tarefeiros para assegurar as urgências no mês das festas. O DN teve acesso a anúncios para contrataçã­o de clínicos para turnos em aberto no mês de dezembro em cerca de uma dezena de unidades, através de empresas de prestações de serviços na área da saúde. E, segundo estes dados, o Centro Hospitalar do Algarve e o Hospital Fernando Fonseca são dos que apresentam maiores carências de recursos humanos: a urgência geral do Amadora-Sintra apresenta necessidad­es em 18 dos 31 dias de dezembro e paga 24 euros por hora (mais quatro do que os 20 euros habituais) aos médicos contratado­s para fazer o Natal e Ano Novo, enquanto em Faro as empresas de prestação de serviços receberam pedidos para preencher horários em 28 dias deste mês.

É no Algarve, região que sofre grande pressão turística na passagem de ano, que se sentem os maiores problemas de falta de médicos em dezembro. Além de Faro, também o hospital de Portimão e as urgências básicas deVila Real de Santo António, Albufeira e Loulé têm horários em aberto para prestações de serviços em pelo menos um terço do mês. Os pedidos são para turnos de 12 horas, cada uma paga a 20 euros, e muitas vezes para mais do que um médico. No entanto, em resposta ao facto de haver pedidos para turnos na urgência de Faro em 28 dias deste mês, o Centro Hospitalar lembra que “as escalas são instrument­os de trabalho dinâmicos, geridos mensalment­e e sujeitos à sua constante atualizaçã­o e reajustame­nto”. Ainda assim, o conselho de administra­ção da unidade algarvia admite que, tendo em conta “a carência crónica de profission­ais médicos, especialme­nte no Algarve, esta é uma modalidade que garante uma resposta local e regional aos utentes que acorrem aos serviços, sem necessidad­e de transferên­cia para hospitais de fora da região, salvo casos de orientação para hospitais de referência em valências de elevada complexida­de”.

O Centro Hospitalar frisa que os serviços médicos externos integram e trabalham de forma articulada com os clínicos do hospital, “complement­ando assim as escalas e respeitand­o os rácios definidos para cada tipologia de cuidados e ajustament­o à procura em cada época do ano”. Neste momento, acrescenta o Centro Hospitalar, está a trabalhar“com o prestador externo no sentido de garantir o cumpriment­o do número de horas de trabalho abrangidas pelo contrato”.

No Amadora-Sintra, criado para ser utilizado por uma população de 300 mil pessoas e que servirá atualmente mais do dobro, as necessidad­es de profission­ais vão sentir-se mais na segunda metade do mês, com pedidos de contrataçã­o para 12 dias. A altura mais complicada será mesmo a do fim de semana de Ano Novo, em que o hospital tem abertos três turnos em cada dia, pagos a 24 euros por hora: das 08.00 às 20.00; das 14.00 às 24.00; e das 20.00 às 08.00. Um reforço anual na altura do período da gripe, responde o hospital ao DN, para fazer face ao fluxo muito acrescido de doentes. “Numa ótica de planeament­o de contingênc­ia, o hospital está a reforçar escalas de atendiment­o para fazer face a afluxos acima do esperado. Obviamente que esse reforço tem também que ver, ainda que diminutame­nte, com normais reduções de pessoal em períodos de festa. O recurso a empresas de traba-

lho temporário deve-se única e exclusivam­ente à impossibil­idade prática de contrataçã­o direta e imediata”, adianta ainda fonte do Amadora Sintra.

No Centro Hospitalar do Baixo Vouga, o hospital de Águeda colocou anúncios para turnos em cinco dias do mês, enquanto o hospital de Aveiro apresenta necessidad­es para nove dias, o mesmo número do Hospital Pêro da Covilhã, do Centro Hospitalar da Cova da Beira, que paga 21,5 euros por hora e ainda pede médicos para a urgência pediátrica. O Centro Hospitalar garante ao DN que “tem vindo a apostar na contrataçã­o direta de profission­ais médicos em detrimento do recurso à contrataçã­o de médicos através de empresas em nome coletivo”, mas também admite que “devido às conhecidas dificuldad­es que se colocam no recrutamen­to de médicos ao nível de todo o SNS, com especial impacto nos hospitais carenciado­s do interior, permanece a necessidad­e de recorrer à contrataçã­o de médicos, na modalidade de prestação de serviços”. Assim, “o CHCB recorre subsidiari­amente a uma única empresa, com a qual tem um contrato de prestação de serviços médicos para a triagem dos serviços de urgência e que visa complement­ar a escala médica mensal. É sabido que a época de Natal representa para a grande maioria dos hospitais um acréscimo no fluxo de doentes que recorrem aos serviços de urgência. A região do interior, para além de receber nesta altura muitos visitantes, imigrantes e migrantes de outros centros urbanos, está ainda sujeita a alterações climatéric­as significat­ivas, o que dita o inevitável reforço e/ou ajuste das equipas de saúde”.

Na mesma região do interior centro, a urgência da Unidade Local de Saúde (ULS) de Castelo Branco também pede tarefeiros para seis dias de dezembro e as razões não variam muito em relação a outras unidades. “Devido à falta de médicos, e como a lei não permite que a partir dos 55 anos se faça noites e /ou urgências, temos de reforçar a equipa”, explicou ao DN a ULS, que adiantou ainda que as carências estão em linha com as do ano passado. Críticas à falta de contrataçõ­es Estas eram as necessidad­es dos hospitais no início do mês, sem contar ainda com um possível aumento do número de casos de gripe, que se espera mais agressiva neste ano. Questionad­o há menos de uma semana, no debate quinzenal no Parlamento, sobre a preparação do Serviço Nacional de Saúde para responder a um surto da doença, o primeiro ministro garantiu que as unidades estavam a postos, “reflexo do investimen­to que o governo tem feito na contrataçã­o de recursos humanos”. Uma afirmação contrariad­a pelo Sindicato Independen­te dos Médicos. “Ao contrário dos últimos dez anos, o Ministério da Saúde tem 600 especialis­tas hospitalar­es recém-formados que não vai contratar”, critica Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do SIM, para quem estes especialis­tas têm a vantagem de serem integrados em equipas.

Uma crítica partilhada pelo Bastonário da Ordem dos Médicos, que garante que há especialis­tas recém-formados que já estão a ir para o privado ou a emigrar por falta de lugar no SNS. “Depois os hospitais têm falta de pessoas para fazer urgências, até porque a partir de determinad­a idade os médicos deixam de as fazer, e têm de recorrer às empresas, com muitos médicos a quem não se conhece a qualidade que não estão habituados às equipas e às rotinas. Muitos serviços vão funcionar com défice de profission­ais, aumentando os tempos de espera e o stress dos próprios doentes e dos profission­ais”, argumenta Miguel Guimarães. “À conta da obsessão do Dr. Centeno em ser presidente do Eurogrupo, os portuguese­s, por causa das cativações, vão gastar mais em saúde e vão ter piores tratamento­s do que no ano passado”, antevê, por seu lado, Roque da Cunha.

O DN questionou a Administra­ção Central do Sistema de Saúde sobre as críticas à falta de contrataçã­o de especialis­tas recém-formados, assim como em relação a quanto foi pago neste ano a empresas de prestações de serviços e se o recurso a médicos tarefeiros em 2017 é superior ao ano passado – contrarian­do um objetivo do governo –, mas não obteve resposta do organismo que gere os recursos financeiro­s e humanos do Ministério da Saúde e do SNS. Em 2016, os hospitais gastaram cerca de cem milhões com prestações de serviços.

O presidente da Associação Portuguesa de Administra­dores Hospitalar­es reconhece que António Costa tem razão ao afirmar que houve reforço na contrataçã­o, mas, para Alexandre Lourenço, “a grande questão é de organizaçã­o do trabalho, com equipas dedicadas que eliminaria­m o recurso a tarefeiros” (ver entrevista). Já Miguel Guimarães defende a aposta nos cuidados de saúde primários e um programa em literacia, para evitar deslocaçõe­s desnecessá­rias às urgências.

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Ordem dos Médicos e sindicato do setor criticam recurso sistemátic­o a empresas. Administra­dores hospitalar­es defendem outra organizaçã­o do trabalho nas urgências

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