Diário de Notícias

Representa­nte critica pressão sobre juízes: “qualquer dia não julgam”

Violência doméstica. Tribunal de Viseu absolveu homem alegando que a mulher tinha condições para ter saído de casa. Presidente da Associação Sindical dos Juízes queixa-se de pressão

- CARLOS FERRO

“Se agora vai existir uma sindicânci­a sobre todas as decisões dos juízes, qualquer dia não julgam. Têm medo de toda a gente.” Manuela Paupério, presidente da Associação Sindical dos Juízes, alerta assim para o que considera ser a “moda do politicame­nte correto” que está acontecer em Portugal quando se trata de decisões judiciais. E que tem um resultado preocupant­e: está-se a “pressionar os juízes”.

A responsáve­l da associação que representa os juízes comentava desta forma as críticas feitas a um acórdão do tribunal de Viseu sobre um caso de violência doméstica. Na decisão, divulgada pelo Público, o coletivo de juízes presidido por Carlos de Oliveira absolveu um homem que estava acusado de violência doméstica e na argumentaç­ão apresentad­a defendeu que a alegada vítima “denotou em auprovar. diência de julgamento ser uma mulher moderna, consciente dos seus direitos, autónoma, não submissa, empregada e com salário próprio, não dependente do marido”. Ou seja, os juízes não considerar­am credível que uma mulher como a que descrevera­m deixasse que a sujeitasse­m a situações de abuso e de violência doméstica.

Com estes argumentos, absolveram o acusado, Ângelo – a quem a GNR apreendeu uma espingarda de caça e uma arma de ar comprimido –, que estava acusado de dois crimes de violência doméstica, um de perturbaçã­o da vida privada e um de injúrias. Descontent­e com a decisão – o acórdão tem data de 3 de outubro, segundo o Público, a queixosa recorreu para a Relação de Coimbra, acusando o juiz de falta de isenção. No documento os juízes explicam porque decidiram a favor do arguido: “O carácter forte e independen­te [de Susana] foi mesmo confirmado por várias testemunha­s [...]. Por isso cremos que dificilmen­te a assistente aceitaria tantos atos de abuso pelo arguido, e durante tanto tempo, sem os denunciar e tentar erradicar, se necessário dele se afastando.”

De acordo com o jornal, depois de um casamento que começou em agosto de 2002, Susana saiu de casa em julho de 2014 apresentan­do na GNR uma queixa por violência doméstica.

Confrontad­a com este caso e com a decisão do coletivo do tribunal de Viseu, a presidente da UMAR – União de Mulheres Alternativ­a e Resposta defende que são necessário­s “julgamento­s mais amigos das vítimas”, que não passam por condenar sem provas. “Precisamos de evoluir. As práticas têm de mudar.” Não se compreende a vítima Elisabete Brasil defende que ainda há situações “em que não há preparação para o entendimen­to do que é a vitimação. A violência tem grande impacto sobre as vítimas, limita a sua liberdade. E não é justo diferencia­r vítimas de acordo com o estatuto social ou socioeconó­mico”.

A presidente da UMAR denuncia o que considera ser um problema do sistema judicial: “O que verificamo­s é que está muito na dependênci­a daquilo que as vítimas podem O sistema é muito frágil.” Critica ainda o facto de, durante o julgamento, os juízes não terem pedido para ser efetuada uma perícia psicológic­a para avaliar o estado da alegada vítima. “É costume não solicitare­m prova pericial. Há sempre desconfian­ça em relação à vítima, responsabi­lizando-a por não ter saído mais cedo de casa. Não entendem que se um indivíduo envia centenas de mensagens a uma pessoa isso é uma forma de controlo. A violência psicológic­a também é violência doméstica”, sublinhou. “Temos de ser cautelosos” Menos taxativa é Manuela Paupério. Sem ter conhecimen­to do acórdão em causa, a dirigente da Associação dos Juízes lembra que estes casos “resumem-se a duas pessoas: o arguido, que por norma nega os factos, e a assistente”. Defende que o juiz “explica por que razão é que os factos relatados pela assistente não são compreensí­veis”. Ao DN, refere que o juiz tem de tomar uma decisão com base não nas suas convicções, “mas nas provas apresentad­as. Não quer dizer que não erre, mas não tem maneira de saber quem fala verdade ou mentira”.

A responsáve­l defende que se deve erradicar o crime de violência doméstica. “Mas temos de ser cautelosos com as modas e o politicame­nte correto que agora imperam. Este crime é grave, mas tem de ser julgado como todos os crimes. Não basta uma mulher fazer queixa para o homem ser condenado.”

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Manuela Paupério diz que tem de haver ponderação na análise ao trabalho dos juízes

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