Theresa May quer voltar sorrateiramente ao mercado único
Vale a pena parar um momento para procurar entender a enormidade do que foi acordado em Bruxelas na semana passada. Durante uma longa noite de inverno, Theresa May consentiu, para todos os efeitos, em permanecer no mercado único. Ao concordar com o alinhamento da regulamentação entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte, e entre a Irlanda do Norte e o resto do Reino Unido, o governo britânico ficou sem hipótese de defender a divergência regulamentar noutros sítios.
É fácil ter uma atitude cínica em relação à tentativa de a primeira-ministra do Reino Unido se esgueirar sorrateiramente para o mercado único. Ao mesmo tempo é também um poderoso lembrete de que o brexit está realmente a acontecer. O discurso da primeira-ministra em Florença lançou as bases para o que acabou por ser um compromisso muito maior do que o anteriormente previsto, o brexit seguido da forma mais próxima possível de cooperação com a UE.
Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, disse na sexta-feira que irá sempre lamentar o brexit, mas que é hora de olhar para o futuro. Ele está certo. O pressuposto de trabalho em Bruxelas é que a saída do Reino Unido vai acontecer, que o divórcio deve ser amigável e qualquer relação futura deve ser próxima. Juncker e Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, estabeleceram uma boa relação de trabalho com Theresa May. O facto de os líderes confiarem ou não uns nos outros é importante nas próximas negociações.
Para os britânicos adeptos da permanência na UE, o acordo oferece uma oportunidade ideal para passarem pelas cinco fases do luto: da negação, raiva, negociação e depressão à aceitação. O prémio de consolação é que Theresa May bloqueou os adeptos da linha dura do brexit. Isso deve certamente valer alguma coisa, ou não?
Na transição, não haverá muito para negociar. Ela durará de março de 2019 a março de 2021. O Reino Unido permanecerá, de facto, um membro da UE e sujeito a decisões do Tribunal de Justiça Europeu. A transição virá com todos os benefícios e obrigações da adesão normal, mas sem direito a voto em Bruxelas e sem representação no Parlamento Europeu. A principal questão aqui é se a renovação da transição é deixada em aberto ou se ela é formalmente descartada.
A questão mais importante para a segunda ronda de negociações será o relacionamento futuro. O comércio é um aspeto importante, mas não o único e possivelmente nem mesmo o mais importante. A cooperação em matéria de política externa e de segurança e a luta contra o terrorismo serão pelo menos igualmente importantes.
No comércio, a solução pragmática seria optar por um acordo limitado como primeiro passo e lidar com as coisas mais complicadas através de acordos setoriais. Se a UE e o Reino Unido optassem por um acordo comercial abrangente, poderia demorar uma eternidade e poderia ser bloqueado. Muito melhor seria um acordo comercial mais restrito que só levantasse direitos aduaneiros sobre produtos industriais e que contornasse os Estados membros. Deverá também haver acordos sobre os procedimentos aduaneiros para mitigar os estrangulamentos que surgirão inevitavelmente com a saída do Reino Unido da união aduaneira e do mercado único.
Será inevitável um certo grau de fricção comercial, mas há maneiras de reduzir os custos dessa fricção. Há uma maior fricção na fronteira entre a França e a Suíça, que não pertence à UE, do que entre a França e a Alemanha, mas não é incapacitante. Nos serviços, não vejo hipótese de uma inclusão geral de setores específicos, como o financeiro, num acordo comercial. Mas a UE e o Reino Unido podem acordar períodos de transição setoriais a seguir à transição geral que termina em março de 2021.
A estratégia deve ser a de abranger o período até que o bloco esteja pronto para oferecer um acordo de associação formal que fique ancorado na legislação europeia e permita que a UE vá além do que atualmente pode oferecer a terceiros. A UE não está pronta para isso agora. Seria necessário transformar-se numa união mais flexível com um núcleo mais integrado e uma periferia menos integrada. Isso exigiria mudanças nos tratados europeus.
O presidente Emmanuel Macron, de França, propôs reformas para a UE e para a zona euro. Martin Schulz, líder dos social-democratas da Alemanha e ex-presidente do Parlamento Europeu, apoiou, na semana passada, uma conferência intergovernamental para preparar um novo tratado constitucional. O seu calendário é ambicioso: ele quer tudo pronto até 2025.
O Reino Unido deve apoiá-lo e a Macron porque uma UE a vários níveis é a única saída para o purgatório pós-brexit em que o país está metido.
Normalmente, não me agrada quando a UE se esquiva às questões. Os líderes europeus prejudicaram verdadeiramente a zona euro entre 2010 e 2015 ao não resolver os problemas quando estes surgiram. No entanto, o brexit esquivo da semana passada era essencial.
O acordo de Bruxelas representa um poderoso lembrete de que o Reino Unido está a sair da UE