Diário de Notícias

Escravatur­a: a palavra que teima em não pertencer ao passado

Não é exclusivo da Líbia ou de África. Há escravos aos milhões um pouco por todo o mundo: adultos e crianças em trabalho escravo, casamento forçado ou escravatur­a sexual

-

Migrantes subsariano­s num centro de detenção em Misrata, Líbia, em 2015

CÉSAR AVÓ No Bangladesh, raparigas e mulheres da etnia rohingya, sobreviven­tes das atrocidade­s dos militares birmaneses, estão a ser vendidas como escravas sexuais. Na Líbia, ponto de acesso privilegia­do pelas redes de tráfico de pessoas para chegar à Europa, um vídeo de um leilão de escravos divulgado pela CNN alertou a comunidade internacio­nal para as condições em que se encontram milhares de subsaarian­os. É a ponta do véu de uma prática que a maioria pensava estar erradicada mas que atinge cerca de 40 milhões de pessoas em todo o mundo.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas condenou na quinta-feira esses atos “como hediondos abusos dos direitos humanos, que também podem constituir crimes contra a humanidade”. E saudou as declaraçõe­s da presidênci­a do governo de unidade nacional da Líbia, que recusou o tráfico de seres humanos e reafirmou que decorre uma investigaç­ão sobre as alegações de tráfico de escravos.

Após a cimeira da União Africana-União Europeia, a Organizaçã­o Internacio­nal para as Migrações foi mandatada para reforçar a iniciativa de repatriar migrantes para os países de origem. Até novembro, a organizaçã­o baseada em Genebra tinha transporta­do 14 mil migrantes e o objetivo é transporta­r mais 15 mil até ao fim do ano numa ponte aérea em grande escala. “Pode não resolver a situação dos migrantes na Líbia, mas é nosso dever tirar os migrantes dos centros de detenção como uma questão de prioridade absoluta”, comentou o diretor-geral da OIM,William Swing.

E não resolve, de facto: a agência das Nações Unidas registou mais de 400 mil migrantes na Líbia e calcula que naquele país do Norte de África ainda estejam entre 700 mil e um milhão de pessoas com o sonho de um futuro melhor. Destas, um número indetermin­ado enquadra-se na definição de escravatur­a: quando uma pessoa é explorada em benefício de outrem pela força, fraude ou coerção e lhe é negada forma de sair. A organizaçã­o não governamen­tal Free the Slaves não tem ativistas na Líbia (tem no Congo, Senegal e Gana, na Índia, Nepal e Haiti). Mas a lógica é igual em todo o lado. “É importante lembrar que o problema que se passa na Líbia também está a acontecer noutros lugares do mundo todos os dias”, diz ao DN o diretor de comunicaçã­o Terry FitzPatric­k. “Os migrantes e os refugiados são especialme­nte vulnerávei­s aos traficante­s de seres humanos. Estão longe de casa e das suas famílias, longe da proteção do seu governo, longe das suas línguas e das redes de apoio. Cerca de 23% dos 40 milhões de pessoas em escravatur­a moderna estão fora do país de origem, o que acentua os riscos que as pessoas enfrentam ao sair de casa em busca de trabalho”, diz o ativista da ONG com sede em Washington. Como combater a escravatur­a Agir para mudar o cenário não se limita aos voluntário­s e aos trabalhado­res das ONG no terreno. Qualquer pessoa pode ajudar numa ou em mais de quatro frentes, lembra-nos FitzPatric­k. Em primeiro lugar, ao apoiar o trabalho de organizaçõ­es que estão na linha da frente como a Free the Slaves (13 mil pessoas libertadas e 200 traficante­s presos desde 2000, 1395 comunidade­s a receber apoio em 2016 ). Não só

Sexo feminino Maioria das vítimas da escravatur­a moderna é do sexo feminino. Casamentos forçados (37,5%) e escravatur­a sexual (12,5%) contribuem para o desequilíb­rio de género. para libertar os indivíduos da escravatur­a, mas também ao acabar com as condições para que persista, ao educar aos mais pobres e marginaliz­ados coisas tão óbvias como o facto de a escravatur­a ser ilegal, mas também ao conceder microcrédi­to ou a pressionar a polícia a agir.

Em segundo lugar, ao passar a palavra, quer nas redes sociais quer no trabalho ou na escola. “Use um dos nossos vídeos para iniciar a discussão”, sugere o ativista. Em terceiro, ao assinar petições para que organizaçõ­es como as Nações Unidas, União Europeia e União Africana ajam. “O tráfico transnacio­nal de seres humanos exige uma resposta internacio­nalmente coordenada.” Por fim, ao preferir produtos do comércio justo que não sejam criados por escravos ou que incluam matérias-primas construída­s pela escravidão; e, por fim, investir as economias em fundos socialment­e responsáve­is que não compram ações em empresas com um histórico duvidoso de direitos humanos.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal