Uma esperança de maternidade
Na última década, largas dezenas de mulheres portuguesas atravessaram a fronteira para serem mães. Tinham o incómodo de terem de provar em tribunal que não havia um pai a indicar, mas ultrapassavam-no pela felicidade de poderem ter um filho. Nem todas eram homossexuais, simplesmente estavam sozinhas e por essa razão a lei não lhes permitia engravidar sem ser pelos métodos naturais. Sem um companheiro e sem vontade de arriscar uma gravidez fruto de um encontro ocasional com um desconhecido, e sem que a lei portuguesa lhes permitisse recorrer às técnicas de procriação medicamente assistida, ir a uma clínica espanhola era a solução que lhes restava para cumprirem esse projeto de vida.
Neste ano, finalmente, Portugal legislou nessa matéria, abrindo ainda mais possibilidades do que as oferecidas na vizinha Espanha. E a escala inverteu-se. Hoje, começam a ser as mulheres espanholas a procurar-nos, sobretudo pela rara possibilidade que a lei portuguesa lhes dá de serem mães quando alguma condição específica as impede fisicamente de engravidar.
Numa Europa envelhecida e com verdadeira urgência em aumentar os números da natalidade, que se reduziram em quase dois milhões de nascimentos nos últimos 40 anos – com todos os problemas que o cada vez menor número de filhos por casal e o aumento da esperança média de vida acarretam –, seria de esperar que mais países acabassem com barreiras que pouco sentido fazem numa época em que a ciência é tão avançada e o conceito de família radicalmente diferente do que era há um par de décadas. Para Portugal, onde nascem hoje menos de metade dos bebés de há 40 anos, as alterações legislativas relacionadas com a procriação podem fazer toda a diferença – além de cumprirem um imperativo de justiça. Haja também bom senso e sensibilidade para aceitar os casos que vêm de fora e o nosso país pode realmente destacar-se como um exemplo nestas políticas, como já o é noutras matérias em que teve a coragem de dar sozinho os passos que nenhum outro ousava.