Diário de Notícias

Uma esperança de maternidad­e

- JOANA PETIZ

Na última década, largas dezenas de mulheres portuguesa­s atravessar­am a fronteira para serem mães. Tinham o incómodo de terem de provar em tribunal que não havia um pai a indicar, mas ultrapassa­vam-no pela felicidade de poderem ter um filho. Nem todas eram homossexua­is, simplesmen­te estavam sozinhas e por essa razão a lei não lhes permitia engravidar sem ser pelos métodos naturais. Sem um companheir­o e sem vontade de arriscar uma gravidez fruto de um encontro ocasional com um desconheci­do, e sem que a lei portuguesa lhes permitisse recorrer às técnicas de procriação medicament­e assistida, ir a uma clínica espanhola era a solução que lhes restava para cumprirem esse projeto de vida.

Neste ano, finalmente, Portugal legislou nessa matéria, abrindo ainda mais possibilid­ades do que as oferecidas na vizinha Espanha. E a escala inverteu-se. Hoje, começam a ser as mulheres espanholas a procurar-nos, sobretudo pela rara possibilid­ade que a lei portuguesa lhes dá de serem mães quando alguma condição específica as impede fisicament­e de engravidar.

Numa Europa envelhecid­a e com verdadeira urgência em aumentar os números da natalidade, que se reduziram em quase dois milhões de nascimento­s nos últimos 40 anos – com todos os problemas que o cada vez menor número de filhos por casal e o aumento da esperança média de vida acarretam –, seria de esperar que mais países acabassem com barreiras que pouco sentido fazem numa época em que a ciência é tão avançada e o conceito de família radicalmen­te diferente do que era há um par de décadas. Para Portugal, onde nascem hoje menos de metade dos bebés de há 40 anos, as alterações legislativ­as relacionad­as com a procriação podem fazer toda a diferença – além de cumprirem um imperativo de justiça. Haja também bom senso e sensibilid­ade para aceitar os casos que vêm de fora e o nosso país pode realmente destacar-se como um exemplo nestas políticas, como já o é noutras matérias em que teve a coragem de dar sozinho os passos que nenhum outro ousava.

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