Diário de Notícias

Europa, memória e património cultural

- GUILHERME D’OLIVEIRA MARTINS ADM. GULBENKIAN E COORD. NAC. ANO EUROPEU DO PATRIMÓNIO CULTURAL

Oano 2018 está à porta e o comissário europeu para a Educação e Cultura, Tibor Navracsics, ao abrir oficialmen­te o Ano Europeu do Património Cultural, recordou no dia 6, no decorrer do Fórum Europeu da Cultura, que não estamos apenas a falar “de literatura, arte, objetos, mas também de competênci­as aprendidas, de histórias contadas, de alimentos que consumimos e de filmes que vemos”. De facto, precisamos de preservar e apreciar o nosso património, como realidade dinâmica, para as gerações futuras. Compreende­r o passado, cultivá-lo, permite-nos preparar o futuro. Estamos a encetar um momento importante na vida da União Europeia. Apesar dos sinais de crise (e é significat­ivo que contemos com muitos representa­ntes da sociedade civil e da comunidade científica do Reino Unido, bem como com muitos jovens de todos os países da União Europeia, mas também do Conselho da Europa), há uma clara consciênci­a de que uma cultura de paz começa pelo culto e pelo cuidado relativame­nte ao património cultural. Como poderemos avançar sem considerar­mos as nossas raízes? Como poderemos preparar, de modo informado e conhecedor, o progresso futuro sem cuidar da continuida­de e da mudança – segundo um processo de metamorfos­e, como Edgar Morin tem defendido? Procuramos, assim, sensibiliz­ar a sociedade e os cidadãos para a importânci­a social e económica da cultura – com o objetivo de atingir um público tão vasto quanto possível, não numa lógica de espetáculo ou de superficia­lidade, mas ligando a aprendizag­em da História e o rigor no uso e na defesa das línguas, articuland­o educação e ciência, numa perspetiva humanista, aberta e exigente.

Na sequência do debate dos líderes europeus em Gotemburgo, a 17 de novembro, sobre educação e cultura, importa pôr em prática o Plano de Ação de longo prazo para a Cultura e o Património. A cultura representa a aposta no fator humano, de modo a que a sustentabi­lidade deixe de ser apenas financeira – devendo ser social, ambiental, energética, técnica, ou educativa, numa palavra, humana. Afinal, a importânci­a económica da cultura é muito maior do que se julga à primeira vista (lembremo-nos da mobilidade, da formação, das línguas, na capacidade científica, da eficácia da aprendizag­em ou da atenção e do cuidado ao património material e imaterial, em ligação com a criação contemporâ­nea). Se é verdade que, segundo o Eurobaróme­tro, oito em cada dez europeus consideram o património cultural importante, não só para cada um, mas também para a comunidade em que nos inserimos, para o país e para a União no seu conjunto, importa compreende­r que estamos a falar de um fator crucial para podermos superar egoísmos, fechamento­s e conflitos insanáveis. Mais de sete em cada dez europeus concordam com a necessidad­e da ligação entre património e qualidade de vida, em nome de um desenvolvi­mento humano. E nove em cada dez consideram que o despertar nas escolas para a defesa do património é fundamenta­l. Afinal, as políticas culturais têm de se centrar cada vez mais na atenção efetiva atribuída ao património cultural. Daí que em Portugal a ligação da educação a esta iniciativa europeia seja fundamenta­l – pela eficácia multiplica­dora e pela recusa de uma lógica de comemoraçã­o, momentânea e sem consequênc­ia social. E se é certo que é esta a perspetiva que nos importa, não podemos esquecer o valor económico do património cultural como fonte de desenvolvi­mento – 7,8 milhões de postos de trabalho na União Europeia estão ligados indiretame­nte ao tema, como o turismo e tantos serviços conexos como a mobilidade, a segurança e o conhecimen­to. 300 mil pessoas estão diretament­e ligadas ao património na União Europeia. Afinal noVelho Continente está cerca de metade dos sítios classifica­dos (mais de 450) no âmbito do Património Mundial da UNESCO. Compreende-se que a decisão do Conselho e do Parlamento Europeu de 17 de maio de 2017 de declarar 2018 como o Ano do Património Cultural correspond­a à afirmação de um desígnio ambicioso: baseado na necessidad­e de consagrar a mobilizaçã­o de vontades em torno de uma herança comum, de um ideal europeu de respeito mútuo, de qualidade e de humanismo, certos de que não podemos deixar ao abandono o que nos legaram as gerações que nos antecedera­m, nem acomodar-nos à irrelevânc­ia e à mediocrida­de.

Em Milão, neste ano, o Fórum Europeu refletiu sobre o papel da cultura e da criativida­de na concretiza­ção do desenvolvi­mento humano. A crise financeira, de que pretendemo­s sair nas melhores condições, deveu-se à ilusão, à fragmentaç­ão, à desregulaç­ão e à recusa de privilegia­r o médio e o longo prazos e a complexida­de... Importa, no fundo, definir quais os interesses vitais comuns e o bem comum cultural, que apenas pode vingar se houver diversidad­e, colaboraçã­o mútua e ligação entre a coesão social e a capacidade inovadora da sociedade. O conceito moderno de património cultural, definido na Convenção de Faro do Conselho da Europa de 2005, valoriza a memória e considera-a fator de cidadania, de dignidade e de democracia – eis o que está em causa.

Estamos a encetar um momento importante na vida da União Europeia. Apesar dos sinais de crise, (...) há uma clara consciênci­a de que uma cultura de paz começa pelo culto e pelo cuidado relativame­nte ao património cultural

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