Europa, memória e património cultural
Oano 2018 está à porta e o comissário europeu para a Educação e Cultura, Tibor Navracsics, ao abrir oficialmente o Ano Europeu do Património Cultural, recordou no dia 6, no decorrer do Fórum Europeu da Cultura, que não estamos apenas a falar “de literatura, arte, objetos, mas também de competências aprendidas, de histórias contadas, de alimentos que consumimos e de filmes que vemos”. De facto, precisamos de preservar e apreciar o nosso património, como realidade dinâmica, para as gerações futuras. Compreender o passado, cultivá-lo, permite-nos preparar o futuro. Estamos a encetar um momento importante na vida da União Europeia. Apesar dos sinais de crise (e é significativo que contemos com muitos representantes da sociedade civil e da comunidade científica do Reino Unido, bem como com muitos jovens de todos os países da União Europeia, mas também do Conselho da Europa), há uma clara consciência de que uma cultura de paz começa pelo culto e pelo cuidado relativamente ao património cultural. Como poderemos avançar sem considerarmos as nossas raízes? Como poderemos preparar, de modo informado e conhecedor, o progresso futuro sem cuidar da continuidade e da mudança – segundo um processo de metamorfose, como Edgar Morin tem defendido? Procuramos, assim, sensibilizar a sociedade e os cidadãos para a importância social e económica da cultura – com o objetivo de atingir um público tão vasto quanto possível, não numa lógica de espetáculo ou de superficialidade, mas ligando a aprendizagem da História e o rigor no uso e na defesa das línguas, articulando educação e ciência, numa perspetiva humanista, aberta e exigente.
Na sequência do debate dos líderes europeus em Gotemburgo, a 17 de novembro, sobre educação e cultura, importa pôr em prática o Plano de Ação de longo prazo para a Cultura e o Património. A cultura representa a aposta no fator humano, de modo a que a sustentabilidade deixe de ser apenas financeira – devendo ser social, ambiental, energética, técnica, ou educativa, numa palavra, humana. Afinal, a importância económica da cultura é muito maior do que se julga à primeira vista (lembremo-nos da mobilidade, da formação, das línguas, na capacidade científica, da eficácia da aprendizagem ou da atenção e do cuidado ao património material e imaterial, em ligação com a criação contemporânea). Se é verdade que, segundo o Eurobarómetro, oito em cada dez europeus consideram o património cultural importante, não só para cada um, mas também para a comunidade em que nos inserimos, para o país e para a União no seu conjunto, importa compreender que estamos a falar de um fator crucial para podermos superar egoísmos, fechamentos e conflitos insanáveis. Mais de sete em cada dez europeus concordam com a necessidade da ligação entre património e qualidade de vida, em nome de um desenvolvimento humano. E nove em cada dez consideram que o despertar nas escolas para a defesa do património é fundamental. Afinal, as políticas culturais têm de se centrar cada vez mais na atenção efetiva atribuída ao património cultural. Daí que em Portugal a ligação da educação a esta iniciativa europeia seja fundamental – pela eficácia multiplicadora e pela recusa de uma lógica de comemoração, momentânea e sem consequência social. E se é certo que é esta a perspetiva que nos importa, não podemos esquecer o valor económico do património cultural como fonte de desenvolvimento – 7,8 milhões de postos de trabalho na União Europeia estão ligados indiretamente ao tema, como o turismo e tantos serviços conexos como a mobilidade, a segurança e o conhecimento. 300 mil pessoas estão diretamente ligadas ao património na União Europeia. Afinal noVelho Continente está cerca de metade dos sítios classificados (mais de 450) no âmbito do Património Mundial da UNESCO. Compreende-se que a decisão do Conselho e do Parlamento Europeu de 17 de maio de 2017 de declarar 2018 como o Ano do Património Cultural corresponda à afirmação de um desígnio ambicioso: baseado na necessidade de consagrar a mobilização de vontades em torno de uma herança comum, de um ideal europeu de respeito mútuo, de qualidade e de humanismo, certos de que não podemos deixar ao abandono o que nos legaram as gerações que nos antecederam, nem acomodar-nos à irrelevância e à mediocridade.
Em Milão, neste ano, o Fórum Europeu refletiu sobre o papel da cultura e da criatividade na concretização do desenvolvimento humano. A crise financeira, de que pretendemos sair nas melhores condições, deveu-se à ilusão, à fragmentação, à desregulação e à recusa de privilegiar o médio e o longo prazos e a complexidade... Importa, no fundo, definir quais os interesses vitais comuns e o bem comum cultural, que apenas pode vingar se houver diversidade, colaboração mútua e ligação entre a coesão social e a capacidade inovadora da sociedade. O conceito moderno de património cultural, definido na Convenção de Faro do Conselho da Europa de 2005, valoriza a memória e considera-a fator de cidadania, de dignidade e de democracia – eis o que está em causa.
Estamos a encetar um momento importante na vida da União Europeia. Apesar dos sinais de crise, (...) há uma clara consciência de que uma cultura de paz começa pelo culto e pelo cuidado relativamente ao património cultural