RARÍSSIMAS
Investigação. Ministro Vieira da Silva terá recebido em outubro uma carta de um tesoureiro da Raríssimas a denunciar várias irregularidades cometidas pela presidente, mas só ontem, em reação à reportagem da TVI, disse que iria “avaliar”
MARCELO PEDE RESPONSABILIDADE. GOVERNO AINDA AVALIA INQUÉRITO
O governo não diz se vai instaurar um inquérito através dos seus organismos de inspeção à atividade da Raríssimas – Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras, cuja presidente está a ser investigada pela Polícia Judiciária (PJ). Em causa podem estar crimes de burla, falsificação de documentos, peculato e administração danosa, tendo em conta as situações descritas neste sábado numa reportagem da TVI. A associação, cuja madrinha é Maria Cavaco Silva, negou todas as suspeitas.
A investigação jornalística, que conta com testemunhos de ex-tesoureiros, mostra dezenas de documentos que põem em causa a gestão da associação, nomeadamente da sua presidente, Paula Brito e Costa, que alegadamente terá usado o dinheiro em “compra de vestidos de alta-costura e gastos pessoais”.
O Presidente da República, que visitou algumas vezes as instalações da associação, admitiu ter ficado surpreendido com a polémica. Para Marcelo Rebelo de Sousa, “faz todo o sentido a abertura de um inquérito para apurar até ao fim o que aconteceu” e “é importante que se fiscalize se houve ou não ilegalidades”.
O ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, que tem a tutela desta IPSS (instituição particular de solidariedade social) disse que iria “avaliar” o caso e “e agir em conformidade”. No entanto, segundo a TVI, Vieira da Silva já sabia de tudo, pelo menos desde outubro, através de uma carta a pedir a sua intervenção, que lhe foi enviada por um ex-tesoureiro. Antes, este profissional tinha pedido formalmente ao Instituto de Segurança Social (ISS) uma inspeção à associação, em cartas enviadas em agosto e setembro, sem ter obtido resposta. Questionada pelo DN sobre em que consiste esta “avaliação” e se inclui a abertura de um inquérito às alegadas irregularidades contabilísticas, nomeadamente por parte do ISS, que fiscaliza as contas das instituições subsidiadas, a porta-voz oficial não esclareceu.
A presidente, Paula Brito da Costa, não respondeu às chamadas do DN, mas em comunicado a associação desmentiu as suspeitas lançadas, assinalando que “são insidiosas e baseadas em documentação apresentada de forma descontextualizada”.
A investigação jornalística da TVI mostra dezenas de documentos que põem em causa a gestão da associação, nomeadamente da sua presidente, Paula Brito e Costa. A um salário-base de três mil euros, ainda lhe seriam pagos 1300 euros em ajudas de custo, 816,67 euros num plano poupança reforma e mais 1500 euros em deslocações. No total, o rendimento ascenderia a mais de 6500 euros. A este valor acresce, contudo, o aluguer de um carro de luxo, no valor mensal de 921,59 euros, e compras pessoais com o cartão de crédito da associação, como revelam as faturas de um vestido de 228 euros, de compras no valor de 821,92 euros, e de uma despesa de 364 euros no supermercado, dos quais 230 em gambas. Salário acima da lei A associação alega que os vencimentos têm por base a tabela salarial da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social (CNIS). Contactado pelo DN, o presidente deste organismo, Lino Maia, diz que o que está previsto na lei é que, “quando se justifica, um dirigente pode ter um vencimento que pode ir até quatro vezes o indexante de apoios sociais (IAS)”. Contas feitas, o limite seria 1685 euros. Ontem, no seu comentário semanal na SIC, Marques Mendes assinalou esta discrepância e apelou a que houvesse “mão pesada” para o caso.
A deputada socialista Sónia Fertuzinhos, mulher do ministro Vieira da Silva, é visada nesta reportagem como tendo feito, em 2016, uma viagem para um congresso na Suécia a expensas da Raríssimas, que recebeu do Estado nesse ano 875 mil euros de subsídios. A deputada refuta, garantindo que a associação apenas pagou, em adiantamento, os bilhetes de avião e que depois foi ressarcida pela entidade organizadora da conferência a que se tinha deslocado, sobre doenças raras, no âmbito do seu trabalho parlamentar.
O secretário de Estado da Saúde, Manuel Delgado, é outro socialista visado na reportagem. Foi consultor da associação em 2013 e 2014, auferindo um salário de três mil euros mensais. O governante confirmou, sublinhando que a sua colaboração nunca “envolveu o conhecimento ou participação na análise ou nas decisões referentes ao financiamento e à gestão correntes da instituição”.