A crise do PSD (I): o sorpasso
Já tive oportunidade de aqui defender que a crise do PSD é estrutural e não meramente conjuntural. Não começou na noite de 4 de outubro de 2015, no ressentimento do dia 10 de novembro de 2015 (queda do segundo governo Passos-Portas) ou na demissão de Passos há dois meses. As suas origens remontam ao final do cavaquismo. O PSD inventou-se como o partido português mais português de todos. Uma coligação da pequena burguesia, das profissões liberais, do aparelho local da Ação Nacional Popular (pois as elites do Estado Novo foram para o CDS e, em menor peso, para o PS) e dos setores mais dinâmicos da sociedade portuguesa. Uma mistura da direita conservadora e reacionária fora das grandes cidades com um centrismo liberal moderado das grandes cidades. Foi esse PPD que conseguiu um espaço político entre os socialistas (agrupados no PS) e a direita mais tradicional (do CDS). Com o cavaquismo, o partido transformou-se. Ou melhor, voltou ao modelo da antiga União Nacional – a direita pendurada no Estado (enquanto o CDS passou a um partido sem ideologia e sem base demográfica consistente, o partido de Paulo Portas). Entre a direita pendurada no Estado e a esquerda pendurada no Estado, a esmagadora maioria do eleitorado (cada vez mais dominado por pensionistas e funcionários públicos) prefere a versão socialista. Por isso, fechado o ciclo cavaquista em 1995, o PSD passou a ser o suplente do PS. Governou apenas quando o PS apodreceu. As duas vezes (2002-2005 e 2011-2015) foram experiências desastrosas. Em vez de reformismo, houve cortes orçamentais. Em vez de novas ideias, houve reciclagem de ideias velhas. Em vez de abertura à sociedade civil, optou-se cada vez mais pelo aparelho puro e duro. Com a gerigonça em marcha e a nova realidade sociodemográfica (abstenção a aproximar-se dos 50%, jovens não votam, PAF alienou os pensionistas e os pré-pensionistas), o PSD enfrenta uma dinâmica eleitoral muito complexa (piores resultados da sua história em eleições autárquicas em 2013 e 2017, pior resultado da sua história em eleições europeias em 2014, um dos piores resultados da sua história em eleições legislativas em 2015).
Chegados aqui, penso que se perspetivam três cenários para o futuro do PSD: “spdização”, “sorpasso” ou implosão. Continuo a pensar que o cenário mais provável é a “spdização”. Em que consiste? Na transformação eleitoral do PSD num partido médio, entre os 20% e os 30%. Poderá ser um parceiro júnior do PS num bloco central. Poderá, talvez daqui a duas ou três legislaturas, tentar uma coligação Jamaica como alternativa a um PS podre e exaurido (PSD, CDS, BE, caso este assuma no sistema português o lugar dos Verdes alemães). Poderá até voltar a ter maioria num tripartido (PSD, CDS, uma Iniciativa Liberal ou um qualquer PRD ou ASDI que venha a surgir) ou com um CDS bastante reforçado (acho menos provável, mas não impossível). Tal como o SPD alemão, o PSD não voltará a ter o papel estruturante que teve na sociedade portuguesa antes de 1995. Salvo se realmente for completamente revolucionado, coisa que se antevê impossível ao dia de hoje.
Não acho o “sorpasso” ou a implosão cenários muito possíveis. Deixo a implosão para a semana. Concentro as minhas observações no “sorpasso”. A direita votante são dois milhões e mais qualquer coisa. Para existir “sorpasso”, o CDS teria de ficar acima do milhão de votos; perto do milhão e meio, se diminuir a abstenção (coisa em que não acredito). Teve 650 mil em 2011. E quase 900 mil em 1976 (o seu melhor resultado de sempre). Nenhuma sondagem até hoje abriu a mais pequena janela para um “sorpasso”. E muito menos as eleições autárquicas, nas quais o CDS teve menos de 250 mil votos. Sim, teve mais votos do que o PSD para a Câmara Municipal de Lisboa. Mas basta olhar para a atual composição da Assembleia Municipal de Lisboa (AML), os resultados para as freguesias e até mesmo o resultado direto da votação na AML para perceber que não houve “sorpasso” nenhum, apenas uma rejeição da candidata do PSD.
Depois, o CDS atual é o mesmo partido dos últimos vinte anos. Cristas até é a cara mais nova do grupo (apesar de já levar dez anos disto). Não há caras novas (ou melhor, o CDS até tem algumas caras novas, mas não aparecem, enquanto no protagonismo continuam os mesmos de sempre), não há nenhum programa coerente, não há propostas (o CDS navega entre o famoso powerpoint da reforma do Estado e medidas orçamentais pontuais para satisfazer pequenos sindicatos de votos), não há nenhuma visão estratégica. Pensar que a mesma tática pode alimentar um “sorpasso” é absolutamente irrealista.
Que a máquina comunicacional do PS alimenta o mito do “sorpasso”, claro. Como a máquina comunicacional do PSD levou o BE ao colo em 2015. Tira votos ao concorrente direto. Que Cristas surpreende pela positiva, também é verdade. O CDS parecia condenado a ser o partido do táxi. Neste momento, com uma excelente gestão comunicacional, pode alimentar a esperança de manter a atual bancada (18 deputados) e voltar aos 12% de 2011, coisa que parecia impossível há uns meses. Que o CDS vai beneficiar eleitoralmente de um PSD santanista, óbvio. Mas “sorpasso” sem mudar radical e completamente a receita “portista” é um mito.
Tal como o SPD alemão, o PSD não voltará a ter o papel estruturante que teve na sociedade portuguesa antes de 1995