O canto e a sua razão
EJOÃO LOPES m paralelo com o novo disco Cuca Roseta publica o livro (Oficina do Livro), reforçando uma via criativa presente desde o seu primeiro álbum, intitulado apenas (2011). Aí, a sua letra de
(com música também de sua autoria) surgia como primeiro e exemplar reflexo de um desejo criativo que trabalha a herança do fado através de um misto de nostalgia e inovação. A primeira quadra do primeiro poema do livro,“Versos Contados”, será um bom lema: “Do meu fado fiz a letra/ E da letra fiz canção/ Fado tem sua ciência/ Não se canta sem razão.” Neste trajeto que agora desemboca na luminosidade de (a simbologia não é redundante), deparamos com o mais primitivo fantasma do fado e dos fadistas. A saber: como continuar a tradição num mundo cultural e comercial que, para o melhor ou para o pior, mudou de forma brutal desde que o génio artístico de Amália Rodrigues arriscou todas as experimentações? Na avalanche que se seguiu ao reconhecimento do fado como Património Imaterial da Humanidade, convenhamos que temos deparado com os mais inconciliáveis contrastes. Acontece que Cuca Roseta se define (também) como uma cantora o que talvez ajude a explicar o fulgor do álbum de estreia, produzido por Gustavo Santaolalla (a meu ver, uma das raras obras-primas absolutas da música portuguesa do século XXI). Sendo Santaolalla um mestre das ligações da música com as imagens de cinema (lembremos apenas a sua banda sonora para de Alejandro González Iñárritu), talvez possamos dizer que, de modo inusitado e fascinante, o compositor argentino compreendeu as raízes de todo um imaginário português – como se o fado fosse essa perversão que inventámos para sermos estrangeiros dentro da nossa própria história.