SAÚDE PEDIDOS DE APOIO JURÍDICO À LIGA CONTRA O CANCRO DUPLICARAM NUM ANO
Num ano, duplicou a procura de apoio. Juristas falam em taxa de sucesso de 90%. Conferência alerta hoje para problemas
Mais de 500 doentes pediram ajuda neste ano, sobretudo por conflitos jurídicos na obtenção de isenção de taxas moderadoras, de benefícios no IRS e de bonificação no crédito à habitação, um direito de quem tem ou teve cancro e ficou com mais de 60% de incapacidade.
Mais de 500 doentes pediram ajuda à Liga Portuguesa contra o Cancro (LPCC) para resolver conflitos jurídicos, ao longo deste ano. É o dobro dos pedidos recebidos em 2016. Este é o terceiro ano que a maior associação de doentes lhes disponibiliza apoio legal – primeiro apenas em Coimbra e depois com consultas presenciais também no Porto e em Lisboa, mas também através da linha telefónica e de e-mail –, sendo também este o motivo porque há mais pedidos, acredita o presidente da Liga, Vítor Veloso.
Os problemas mais recorrentes para quem tem ou teve cancro são o “crédito bancário, que deve ser bonificado porque a maior parte destes doentes tem mais de 60% de incapacidade, a isenção de taxas moderadoras, os benefícios a nível do IRS”, enumera Ana Elisabete Ferreira, uma das juristas que apoiam a LPCC.
Fazer valer os direitos dos doentes com cancro ainda pode ser difícil em Portugal. E é exatamente sobre isso que hoje Vítor Veloso e o jurista André Dias Pereira, ambos da LPCC, vão falar, na conferência organizada pela Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO), que decorre na Assembleia da República. “O objetivo é, de facto, chamar a atenção para o que representa a doença oncológica metastatizada em Portugal, e escolhemos o cancro da mama porque é aquele em que há muitos doentes que vivem com este desafio”, explica ao DN Gabriela Sousa, presidente da SPO (ver entrevista). E a partir deste tipo de cancro – que afeta essencialmente mulheres, mas em que 1% dos doentes são homens –, chamar a atenção para os desafios globais.
Isilda Faria é uma das doentes que lutam para fazer valer os seus direitos. Teve cancro da mama há três anos, mas há sete que tenta a reforma por invalidez devido à fibromialgia. “No mês passado voltei a meter os papéis, todos os anos tento. Estou com uma baixa sem vencimento e recebo o RSI [rendimento social de inserção], mas acho que mereço a reforma e não o RSI”, desabafa. Natural de Matosinhos, explica que não consegue manter o emprego, que exige demasiado esforço físico – fazia limpezas numa moradia de um sindicato. “Eram três andares e grandes pátios para limpar e eu já não aguentava.” Isilda começou por reduzir a carga horária de oito para quatro horas diárias, mas deixou de conseguir. “Os médicos dizem que não posso trabalhar, mas a junta médica diz que sim.” Com 54 anos e a viver com 260 euros por mês, Isilda pediu ajuda à Ordem dos Advogados para mediar o processo de pedido da reforma.
Apesar de não ter recorrido à LPCC, também aqui chegam muitos casos de pedidos de ajuda para os pedidos de reforma por invalidez. “Às vezes há muitas dificuldades para obter as pensões”, admite André Dias Pereira. O jurista fala ainda de problemas na aquisição de próteses ou nos transportes para consultas não urgentes, cuja doutrina “é diferente de hospital para hospital” – e daí ser necessário às vezes recorrer a pareceres jurídicos da LPCC.
Grande parte do trabalho no apoio a estes doentes é, sem dúvida, “o direito laboral”, aponta Ana Elisabete Ferreira. “Estamos a falar de pessoas com bastante sequelas da doença e dos tratamentos e muitas vezes querem voltar ao trabalho, mas é preciso reajustar as funções que a pessoa desempenha e é necessária essa mediação com o empregador”, acrescenta a jurista. Adiantando que, na maioria dos casos, a situação fica resolvida depois da intervenção jurídica.
Para a especialista, a dificuldade está muitas vezes em encontrar a legislação que se aplica aos casos dos doentes. “Há muita proliferação legislativa e é mais difícil saber em que nos baseamos para nego-
ciar um contrato de arrendamento ou as horas no trabalho. Nota-se que também há desconhecimento por parte de alguns serviços da administração pública da situação dos doentes com incapacidade e só o facto de ir perguntar ou dizer que não é assim que se faz é um atraso para aquele doente. Ainda estamos, como sociedade, a aprender a lidar com o cancro”, aponta Ana Elisabete Ferreira.
O presidente da LPCC defende que é necessário “desburocratizar” os direitos dos doentes oncológicos. Apontando falhas ao Serviço Nacional de Saúde, à Segurança Social, passando pela banca, seguros e empresas, o médico acredita que “todas estas entidades, desde que percebam que há pessoas que estão a ser ajudadas e que há juristas que sabem estas leis, acabam por cumprir a legislação”. Daí que o serviço jurídico aponte para um sucesso de mais de 90% dos seus casos.
Porém, há também falhas no lado dos deveres dos doentes. “Alguns são gerais, como a questão da prevenção das doenças ou de comparecerem nas consultas. Muitos dos deveres são também matérias de responsabilidade individual de cada um, como ter hábitos de vida saudáveis. Temos de chamar a atenção para a necessidade de cumprimento desses deveres”, alerta Vítor Veloso. Para o presidente da LPCC, embora seja fundamental trabalhar no cumprimento dos deveres, “a consciencialização é muito difícil” – ainda que o mais importante nesta fase seja garantir o cumprimento dos direitos dos doentes.