Legalização médica da canábis já e com aprovação quase certa na AR
Bloquistas vão ao encontro do PCP e separam discussões: legalização do comércio médico da canábis sim, no imediato; legalização do comércio recreativo só para o “futuro”
O Bloco de Esquerda vai avançar já em 2018 com um projeto legalizando o uso médico da canábis e acredita que há maioria no Parlamento para a aprovar. Foi pelo menos o que afirmou, ontem, numa audição no Parlamento, o deputado bloquista Moisés Ferreira, que invocou “declarações públicas” de apoio à iniciativa proveniente do PCP, do PS e até da JSD.
Há no entanto um “porém”. Avançará a legalização do uso medicinal mas não do uso recreativo.“São duas discussões diferentes e com tempos diferentes.” A prioridade é a legalização médica mas para a recreativa – mais controversa – o Bloco de Esquerda, embora a apoie, acha necessário previamente “recolher o máximo de consenso possível”. “E depois continuaremos”, assegurou ainda o parlamentar bloquista.
Presente na audição – organizada aliás pelo BE –, a deputada socialista Maria Antónia Almeida Santos, vice-presidente da comissão parlamentar de Saúde, afirmou-se, a título pessoal, apoiante da medida. Já quanto ao apoio do seu partido, não se comprometeu: “É uma questão que o meu partido ainda não resolveu.” Assim, o tempo, por ora, é de uma expectativa positiva (“tenho esperança de que possamos acompanhar o BE nesta caminhada”).
No PCP – que em questões “fraturantes” costuma ser conservador – a deputada Paula Santos já disse que, quanto ao uso terapêutico, o seu partido não se opõe: “Consideramos que a discussão da utilização da canábis para fins terapêuticos é uma, e para fins recreativos é outra. Não devem ser juntas no mesmo pacote. Havendo evidência científica de que é uma mais-valia no uso terapêutico, não temos uma questão de princípio”, disse a deputada ao DN em março passado, quando o PS discutia uma moção dos jovens do partido defendendo a legalização do comércio das chamadas “drogas leves”.
Para o BE, ainda segundo Moisés Ferreira, do que se trata é de Portugal “voltar à vanguarda” onde se colocou em 2001, quando descriminalizou o consumo de drogas. “No início do milénio estivemos na vanguarda. Há que dar novos passos para voltar a colocar Portugal no caminho da vanguarda.”
Para a audição de ontem, o BE convidou médicos, juristas e até um assumido consumidor de drogas (todas). O neurologista Bruno Maia (ver entrevista ao lado) assumiu que os “mitos e preconceitos” que impedem a legalização do uso da canábis para efeitos terapêuticos “se estendem aos médicos”. Só que – acrescentou – “não existem razões científicas médicas para não estar disponível na ação terapêutica”. Se não se avança – disse ainda – é porque “muitas vezes do outro lado [do lado de quem decide, ou seja, do lado dos políticos] não está só o medo, está a passividade e o conforto”. “Apelo à coragem do Parlamento”, concluiu.
Vindo de Espanha, o médico (e cirurgião) Javier Pedraza defendeu a legalização do uso terapêutico mas com cuidados: a não ser em situações-limite, “não pode ser usada com pessoas com menos 23 anos”. Depois salientou a contradição portuguesa: “Portugal tem a maior produção da Europa de canábis. O problema é que não fica cá nada [é exportada].” Portanto – rematou –, “a única coisa que falta é vontade política para mudar as coisas”.
“Existe evidência científica mais do que suficiente [para legalizar o uso terapêutico da canábis]. É possível já em 2018”
MOISÉS FERREIRA DEPUTADO DO BLOCO DE ESQUERDA