Diário de Notícias

Paula Brito e Costa arrisca-se a ser expulsa da IPSS que fundou

Nova direção da Raríssimas terá o poder estatutári­o de expulsar a fundadora, se considerar que lhe “prejudicou o prestígio”

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DECISÃO Além do inquérito criminal e da inspeção com origem na Segurança Social, Paula Brito e Costa arrisca-se à suprema humilhação de ser expulsa da Raríssimas, a instituiçã­o que fundou e a que até ontem presidia. A decisão está nas mãos da próxima direção daquela IPSS. Antes de se demitir, já havia dirigentes da instituiçã­o que lhe pediam a demissão, nomeadamen­te da delegação do centro do país.

Em causa um dos artigos dos estatutos da instituiçã­o, o qual diz que “perdem a qualidade de associado” aqueles “cuja conduta, na opinião discricion­ária da direção, seja considerad­a contrária aos fins da associação ou suscetível de prejudicar o prestígio e bom desempenho da associação, assim como aqueles que, por atos dolosos, a tenham prejudicad­o materialme­nte”.

Será – confirmand­o-se – o fim de um percurso iniciado quando em 2002 fundou a Associação Nacional de Doenças Mentais e Raras – Raríssimas. E fundou porque lhe nasceu o primeiro filho, Marco – entretanto já falecido – com uma doença rara, Cornelia de Lange. Por sugestão de um médico amigo criou a instituiçã­o.

Foi aliás esse filho quem lhe sugeriu a criação da casa que teria, a partir de 2013, quando começou a funcionar, o seu nome – Casa dos Marcos, na Moita – e que é o principal centro de internamen­to da Raríssimas. “O Marco chegou aos 16 anos e não tinha escola para onde ir. Não havia respostas sociais para meninos como ele. Ou iam para as CERCI – que eu respeito, mas que foram criadas para satisfazer necessidad­es de há 30 anos – ou não tinham escola. E um dia ele pergunta-me: ‘Mãe, não tenho uma escola?’ ‘Tens aquela, se não quiseres não tens.’ E ele responde chateado: ‘Ai não tenho uma escola, então tens de me fazer uma escola!’”, contou, numa entrevista ao jornal iI. Ontem, ao demitir-se, disse à RTP: “Talvez seja agora a fase de fazer o luto do meu filho.”

Movendo mundos e fundos ao longo dos anos – e socorrendo-se muitas vezes do apoios de políticos do “bloco central” –, Paula Brito e Costa conseguiu ir fazendo crescer a instituiçã­o até esta se tornar uma referência no tratamento de vítimas de doenças raras (o conceito diz que doença rara é aquela que afeta uma pessoa em cada duas mil ou mais). A Raríssimas acabou por preencher um espaço vazio no SNS e conseguiu-o tanto com apoios do Estado (ver texto principal) como com apoios privados. No orçamento para 2018, de cerca de quatro milhões de euros, uma das maiores parcelas é justamente, na parte das receitas, a das “doações e heranças”: 1,2 milhões de euros. Desde que o “caso” se iniciou, no sábado, foram várias as vozes que surgiram no espaço público a alertar para o perigo de a polémica em torno de Paula Brito e Costa poder ter o efeito secundário de afetar o funcioname­nto da própria IPSS – nomeadamen­te no internamen­to permanente de doentes.

Ontem, a direção da Casa dos Marcos fez questão de afirmar, num comunicado à Lusa, que continua a trabalhar e a cumprir os serviços aos utentes, demarcando-se de qualquer atitude ilícita que tenha sido praticada. “É nosso dever transmitir que nos mantemos, como até agora, a cumprir as nossas funções e que não estão em causa quaisquer serviços prestados na Casa dos Marcos. Antes de mais, demarcamo-nos de toda e qualquer atitude menos ética ou ilícita que tenha sido praticada em nome da instituiçã­o, seja pela ex-presidente ou por qualquer membro da direção, e reafirmamo­s a lealdade, apenas e só, à causa para a qual trabalhamo­s.” J.P.H.

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