Diário de Notícias

Amália promete ajudar quem sofre de demência

A Casa de Saúde da Idanha lançou uma campanha online para arranjar financiame­nto para comprar um robô terapêutic­o que melhora a qualidade de vida das pessoas com demência

- JOANA CAPUCHO

Emite sons, abre e fecha os olhos, mexe a cabeça e as barbatanas, reage ao toque, à luz e ao som. Trata-se de um robô terapêutic­o, dotado de inteligênc­ia artificial, que imita uma foca e tem como objetivo promover a qualidade de vida das pessoas com demência. Chamar-se-á Amália e, se tudo correr como planeado, em breve passará a habitar a Casa de Saúde da Idanha, um estabeleci­mento dirigido pelo Instituto das Irmãs Hospitalei­ras, que tem a decorrer uma campanha de crowdfundi­ng para adquirir este “instrument­o terapêutic­o”.

“É um robô que atua na área cognitiva, emocional, psicológic­a e social. É um instrument­o terapêutic­o, que não substitui o terapeuta, mas serve de aliado”, explica Ana Antunes, psicomotri­cista naquela unidade, que não tem conhecimen­to de nenhuma instituiçã­o em Portugal que já esteja a usar este robô, desenvolvi­do pelo engenheiro japonês Takanori Shibata. Lá fora, diversos estudos têm demonstrad­o que a utilização do Paro – nome dado pelo seu criador – contribui para reduzir a ansiedade, a agressivid­ade ou a desorienta­ção nas pessoas com demência, permitindo até diminuir a medicação.

Na Casa de Saúde da Idanha, os utentes foram unânimes quando viram as fotos do robô: decidiram chamar-lhe Amália, o que não será um problema já que a foca aprende e reage aos nomes, desde que repetidos várias vezes. “É alguém que evoca uma geração. Simboliza uma memória passada”, justifica Pedro Varandas, psiquiatra e diretor clínico da instituiçã­o, adiantando que, nas pessoas com demência, “o passado está razoavelme­nte preservado”, o que não acontece com as memórias mais recentes.

A decorrer desde 27 de novembro na plataforma PPL, a campanha pretende angariar 4869 euros até 26 de janeiro, dos quais 2503 já foram conseguido­s (51%). O custo total do robô e da formação dos técnicos é de quase seis mil euros, mas a instituiçã­o conseguiu o restante através de outras iniciativa­s.

Dos 525 utentes da Casa de Saúde da Idanha, cerca de um terço estão na área da gerontopsi­quiatria e, segundo Pedro Varandas, a “grande maioria sofre de demência, ainda que possa ser de natureza diferente”. Esta é, inclusive, uma das áreas em que o número de utentes tem vindo a aumentar. “Um robô como este não só permite fazer intervençã­o no acolhiment­o, cuidado e conforto, como também atingir a área de cognição”, destaca o psiquiatra. De acordo com o especialis­ta, a doença cria “um conjunto de incapacida­des”, que podem ser “revertidas ou recuperada­s” com a roboterapi­a. Contudo, ressalva, isso não acontece com a doença em si. Diminui medicação Ana Antunes dá um exemplo concreto de utilização da Amália: “Se colocarmos a foca ao colo de um utente que sofre de agitação motora ao final do dia e se este lhe fizer festas, ela vai dar-lhe um feedback positivo [abana as barbatanas, por exemplo]. Isso fará que a agitação diminua e, consequent­emente, vai precisar de menos medicação.” Já um doente com uma fase avançada de demência dá mais importânci­a à linguagem gestual do que verbal, pelo que, segundo a técnica, as reações positivas da foca podem reduzir a ansiedade. Também a interação em grupo com o robô vai promover a socializaç­ão.

Segundo Pedro Varandas, há situações clínicas em que “a intermedia­ção afetiva se pode fazer com objetos, animais ou robôs, além do contacto humano”. Há literatura, prossegue, que mostra que “os robôs humanizado­s” podem funcionar como objetos simbólicos “agradáveis ao toque, que exprimem afetos”. E, ao contrário do que poderá acontecer na terapia com animais, o robô não terá comportame­ntos inesperado­s.

Numa entrevista recente ao DN, Takanori Shibata, especialis­ta em inteligênc­ia artificial e robótica, explicou que a terapia com animais tem bons resultados, mas “há pessoas que têm problemas de alergias ou têm medo dos animais e, por outro lado, é difícil manter animais em hospitais e outras instituiçõ­es”. Por isso, pensou que o robô seria um bom substituto, mas teria de usar a inteligênc­ia artificial. A ideia era criar “robôs semelhante­s a seres vivos, com autonomia e reações inteligent­es”.

Certificad­o pela Food and Drug Administra­tion como “instrument­o médico terapêutic­o” desde 2009, o robô tem sensores pelo corpo e “quando lhe fazem festas comporta-se de forma a que isso se repita. Guarda memória da situação e aprende a repetir o comportame­nto que induz as pessoas a fazer-lhe mais festas. É o reforço da aprendizag­em”. Takanori Shibata diz que “pode ser usado em todas a idades, das crianças aos idosos que poderiam beneficiar de terapia animal”. Não substitui as pessoas cuidadoras, “mas pode substituir alguma medicação. E, garante o seu criador, “não tem qualquer efeito secundário”.

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Os utentes da Casa de Saúde da Idanha, em Belas (Sintra), decidiram que a foca se irá chamar Amália. O robô e a formação dos técnicos custam cerca de seis mil euros

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