Diário de Notícias

Lição sobre dois funerais

- FERREIRA FERNANDES

Oprecedent­e já tinha acontecido, em 1963 o escritor Jean Cocteau e a cantora Édith Piaf coincidira­m na morte. Azar dele, menos gente no funeral, pois a escrita já então perdia ao disputar com o palco – escreveu o filósofo Régis Debray, nesta semana, no jornal Le Monde. A evocação foi feita a propósito da também coincidênc­ia na morte, agora, do académico Jean d’Ormesson e do cantor de rock Johnny Hallyday. O escritor teve despedida nos Inválidos, mas nada comparável ao gigantesco cortejo, um milhão de pessoas, descendo os Campos Elísios, reservado a Johnny, o bardo. A diferença levou ao notável ensaio de Debray. Ele fala da “institucio­nalização do

showbiz”, espetacula­r por definição, em detrimento do recato da escrita. E lembra que, em 1963, Piaf, se teve o povo a levá-la ao cemitério de Père-Lachaise, não levou atrás De Gaulle. Já o funeral de Johnny Hallyday foi acompanhad­o por toda a nata política, pelos três últimos presidente­s e com discurso do atual, Macron. Antes, a política não precisava das estrelas do momento mas, agora, políticos e políticas,“vá lá, discursem cantando”, provoca o filósofo. Debray ajuda a sua tese, sobre o regresso ao silêncio dos escritores, citando André Malraux:“A morte traça, à sua maneira, a história da literatura”... Há ironia nestas palavras, no citado e no citador. Malraux foi combatente na Guerra de Espanha e compagnon de De Gaulle na Libertação de França, e Debray, uma geração depois, foi companheir­o de Che Guevara. Ambos escritores que pretendera­m levar a literatura à ação, vice-versa e do todo fazer um palco.

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