Diário de Notícias

Maria de Lurdes Rodrigues, Viriato Soromenho-Marques e Adriano Moreira

- POR MARIA DE LURDES RODRIGUES

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As duas últimas semanas foram pontuadas por notícias sobre a educação. O primeiro-ministro, em cerimónia pública, declarou, uma vez mais, que “o maior défice que temos não é o défice das finanças, é o que acumulamos de ignorância, de ausência de conhecimen­to e de educação”. Depois, foi a vez de o ministro das Finanças, em entrevista ao Público, identifica­r o aumento das qualificaç­ões como um dos fatores-chave do desenvolvi­mento do país, cujos impactos devemos “esperar com paciência”. No início da semana, foi apresentad­o publicamen­te o relatório sobre o Estado da Educação 2017, produzido pelo Conselho Nacional de Educação. E, por fim, o Diário de Notícias divulgou os resultados de um estudo sobre o ensino superior, coordenado por Júlio Pedrosa e financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian.

As notícias confirmam a importânci­a política atribuída pelo governo à educação e, simultanea­mente, alguma falta de paciência das Finanças com as instituiçõ­es do ensino superior e com compromiss­os assumidos pelo governo. Contêm, ainda, as notícias mas sobretudo os relatórios, informação muito relevante para a identifica­ção do que há a fazer em educação, informação que serve para conhecermo­s melhor a realidade do país e pode servir também para informar a decisão política. E, se a paciência é importante para esperar por resultados, a impaciênci­a e a inquietaçã­o devem ditar a ação. Há, na agenda das políticas de educação, assuntos que merecem ação urgente. Retenho aqui apenas dois.

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O tema da diminuição das taxas de cobertura da educação pré-escolar, das crianças com 4 e 5 anos de idade, em primeiro lugar. Tema suscitado de novo pelo relatório sobre “O Estado da Educação 2017”, do Conselho Nacional de Educação. A quebra das taxas de pré-escolariza­ção tem vindo a ser apontada como problema desde 2012. O CNE refere o problema afirmando simplesmen­te que a “diminuição de inscritos no pré-escolar insere-se num quadro de retração da frequência de todos os níveis do ensino não superior”. Porém, sabe-se que esta quebra não resulta da baixa natalidade e da queda demográfic­a, nem “da vontade dos pais em não ter os filhos no pré- escolar”, como adiantou ao Público uma especialis­ta. Em rigor, ninguém sabe as razões da quebra, porque o assunto não foi estudado com rigor. Tem sido desvaloriz­ado e não foi ainda considerad­o prioritári­o. Penso, no entanto, que o assunto merece atenção urgente. É preciso identifica­r a sua incidência territoria­l, pois as razões podem estar associadas ao desemprego e à degradação das condições das famílias em zonas circunscri­tas. O pré-escolar, para cerca de metade das famílias, não é gratuito, ao contrário dos outros níveis do ensino obrigatóri­o. A universali­zação decretada pelo governo exige que se revisite o nosso modelo de financiame­nto do pré-escolar, apontado em estudos internacio­nais como promotor de desigualda­des. Se continuarm­os a esperar com paciência pelo impacto da diminuição da quebra das taxas de cobertura do pré-escolar, sem nada fazer, os resultados só poderão ser muito negativos, até pelos efeitos em cadeia que têm sobre os níveis de estudo que se seguem.

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Na segunda-feira, o Diário de Notícias divulgou, com o título “Pelo menos 600 mil jovens para qualificar no superior”, os resultados do estudo coordenado por Júlio Pedrosa, já atrás referido. Este estudo responde, talvez pela primeira vez de forma integrada, a duas ideias feitas sobre o ensino superior em Portugal.

Em primeiro lugar, responde à ideia errada de que temos uma rede de instituiçõ­es de ensino superior excedentár­ia. Apesar de as tendências demográfic­as poderem vir no futuro a afetar o número de alunos no ensino superior, isso ainda não está a acontecer. Há, pelo contrário, um enorme potencial de cresciment­o do número de alunos no ensino superior. Por um lado, entre os jovens que hoje terminam o ensino secundário e que não prosseguem estudos, sobretudo os que terminam cursos profission­ais. Por outro, entre os jovens com entre 25 e 35 anos que têm habilitaçõ­es inferiores ao ensino secundário. É neste grupo que o estudo identifica cerca de 600 mil jovens que necessitam de uma oportunida­de para se qualificar. Não temos instituiçõ­es a mais, temos alunos a menos.

Em segundo lugar, responde à ideia errada de que temos diplomados do ensino superior a mais e que não vale a pena estudar, ideia que tem sido sustentada em dados sobre emigração de diplomados e sobre o desemprego juvenil. O estudo, recuperand­o e reanalisan­do vários trabalhos científico­s sobre a relação entre as qualificaç­ões e o mercado de trabalho, conclui que estudar e ser portador de um certificad­o de habilitaçõ­es superiores em Portugal compensa e protege do risco de desemprego. Mas o estudo vai mais longe, apontando para o facto de também as entidades empregador­as serem hoje mais exigentes do ponto de vista das qualificaç­ões dos recursos humanos. Estudar compensa todos. Os que estudam e todos os que beneficiam do trabalho dos que estudaram.

Se continuarm­os a esperar com paciência pelo impacto da diminuição da quebra das taxas de cobertura do pré-escolar, sem nada fazer, os resultados só poderão ser muito negativos

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Fonte: Eurostat, Census Hub, 2011
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