Diário de Notícias

A loucura do rei Donald

- POR ELIZABETH DREW

Colaborado­ra regular da The New York Review of Books e autora de Washington Journal: Reporting Watergate and Richard Nixon’s

Downfall

Grande parte da capital da América entrou num estado de quase pânico. Nos últimos dias, o presidente Donald Trump tem agido de forma mais bizarra do que nunca, e a pergunta que anda igualmente na mente de políticos e civis, embora poucos a formulem em voz alta, tem sido: o que é que se pode fazer com este homem? Os Estados Unidos podem realmente dar-se ao luxo de esperar que o procurador especial Robert Mueller dê a sua investigaç­ão como encerrada (no pressupost­o de que reconhecer­á o presidente culpado de alguma coisa)? Isso ainda pode demorar algum tempo.

A questão do tempo tornou-se cada vez mais premente, dado o crescente perigo de que os EUA, deliberada ou acidentalm­ente, acabem numa guerra com a Coreia do Norte. Esse risco, aliado ao comportame­nto cada vez mais peculiar de Trump, tornou Washington mais tensa do que nunca, incluindo os dias negros doWatergat­e. Deixemo-nos de rodeios: a preocupaçã­o é que um presidente mentalment­e perturbado possa levar os EUA a uma guerra nuclear.

Há alguns dias, as provas da instabilid­ade de Trump acumularam-se. Durante uma cerimónia na Sala Oval para homenagear os heróis da II Guerra Mundial pertencent­es aos povos nativos da América do Norte, Trump ofendeu-os ao pronunciar um comentário racista. Iniciou uma briga sem precedente­s e desnecessá­ria com a primeira-ministra do Reino Unido, supostamen­te o aliado mais próximo dos Estados Unidos, republican­do no Twitter os posts antimuçulm­anos de um grupo neofascist­a britânico. Numa tentativa de ganhar o voto de uma senadora democrata para o seu projeto de reforma fiscal, deslocou-se ao estado que ela representa e contou mentiras sobre o currículo da senadora (embora o projeto-lei fosse de tal modo favorável ao 1% de americanos mais ricos que nenhum senador democrata votou a favor). E continuou a provocar o líder norte-coreano Kim Jong-un, que parece igualmente instável.

Ao mesmo tempo, tanto o The Washington Post como o The NewYork Times publicaram artigos contendo histórias perturbado­ras sobre o comportame­nto privado do presidente. Trump terá dito a pessoas próximas que considera que o tristement­e célebre vídeo da emissão de Access Hollywood, que o mostra a dizer que apalpar genitais femininos fora das gravações é uma fraude, embora ele tenha admitido a autenticid­ade e tenha pedido desculpas depois de o Post o ter divulgado nas últimas semanas da campanha presidenci­al.

Trump também voltou a insistir na alegação mentirosa sobre Obama não ter nascido nos EUA, que lançou a sua carreira política e à qual, por pressão dos conselheir­os, tinha renunciado antes das eleições. Disse num tweet que havia recusado a sugestão da revista Time para o nomear Personalid­ade do Ano, porque a proposta da revista não era definitiva (Trump dá grande importânci­a a essas aparições na capa da Time). Mas um representa­nte da Time já disse que isso não tinha acontecido.

O facto de Trump parecer sofrer de algum distúrbio mental, ou de vários, criou um dilema para psiquiatra­s, políticos e jornalista­s. A Associação Americana de Psiquiatri­a tem uma regra de que os seus membros não podem emitir diagnóstic­os sobre pessoas que não examinaram. Mas, dado o que alguns psiquiatra­s veem como uma emergência nacional, muitos quebraram a regra e falaram ou escreveram publicamen­te sobre as suas avaliações profission­ais do estado mental de Trump.

A opinião mais amplamente aceite é a de que sofre de um transtorno de personalid­ade narcisista, o que é muito mais grave do que ser simplesmen­te narcisista. Segundo a Clínica Mayo, esse transtorno “é uma perturbaçã­o mental em que as pessoas têm um sentido exagerado da sua própria importânci­a, uma necessidad­e profunda de atenção e admiração excessivas, relacionam­entos problemáti­cos e falta de empatia para com os outros”. Além disso, “por trás dessa máscara de extrema confiança há uma autoestima frágil que é vulnerável à menor crítica”.

Esta definição reflete muito bem os traços que Trump exibe regularmen­te. Outra opinião de vários profission­ais médicos, com base na forma como Trump falou em entrevista­s no final da década de 1980 e como fala agora – com um vocabulári­o muito mais limitado e muito menos fluência –, é que o presidente sofre de um princípio de demência. Segundo a UpToDate, uma base de dados clínicos altamente respeitada e um serviço financiado por assinatura e usado por profission­ais, os sintomas da demência incluem agitação, agressão, delírios, alucinaçõe­s, apatia e desinibiçã­o.

Numerosos membros do Congresso do Partido Republican­o estão profundame­nte preocupado­s com a capacidade de Trump de lidar com a presidênci­a, que é um trabalho incrivelme­nte exigente. O secretário de Estado Rex Tillerson, de quem se diz que irá ser substituíd­o em breve, terá dito que Trump era um “idiota”.

O comportame­nto cada vez mais errático de Trump nos últimos dias foi atribuído à sua crescente ansiedade com a investigaç­ão de Mueller sobre o possível conluio da sua campanha com a Rússia na tentativa do Kremlin para fazer pender a balança das eleições de 2016 a seu favor, uma investigaç­ão que poderá terminar numa acusação de conspiraçã­o. (Trump parece ser a única figura significat­iva em Washington que não aceita que a Rússia interferiu.) E esse comportame­nto cada vez mais bizarro dá-se até antes de se saber, a 1 de dezembro, que o primeiro conselheir­o de Segurança Nacional de Trump e assessor próximo da campanha, general aposentado Michael Flynn, tinha concordado em dizer-se culpado de mentir ao FBI em troca da cooperação com a investigaç­ão.

O que tornou isso altamente significat­ivo foi que Flynn é, de longe, o ex-funcionári­o mais altamente colocado que Mueller “virou”. De facto, o generoso acordo deixa claro que Flynn está preparado para nomear figuras da campanha e da Casa Branca mais altas do que ele.

Essas pessoas não são muitas. Já foi especulado, com fundamento, que Flynn apontará o dedo ao genro de Trump e seu conselheir­o principal, Jared Kushner. Mas os vários esforços anteriores de Trump para afastar os procurador­es de Flynn foram sinais fortes de que este sabe alguma coisa que Trump espera desesperad­amente que os procurador­es não descubram. Podemos vir a saber o que é muito em breve.

Entretanto, os americanos e o mundo esperam, nervosos, a reação de Trump à última evolução da situação, que é muito má para ele.

A opinião mais amplamente aceite é a de que Trump sofre de um transtorno de personalid­ade narcisista, o que é muito mais grave do que ser simplesmen­te narcisista

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