Diário de Notícias

Enfermeiro­s apelam ao boicote às horas extra em altura de gripe

Apelo é uma reação à falta de contrataçã­o até final do ano e junta-se a uma recomendaç­ão sindical para que os médicos de família deixem de consultar doentes fora das suas listas

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PEDRO VILELA MARQUES A Ordem dos Enfermeiro­s (OE) quer que estes deixem já de fazer horas extraordin­árias, em resposta à recusa das Finanças em contratar mais profission­ais em pleno período de gripe. Um apelo da bastonária dos enfermeiro­s, Ana Rita Cavaco, que surge precisamen­te uma semana depois de o Sindicato Independen­te dos Médicos também ter pedido aos médicos de família que deixem de consultar doentes fora das suas listas de utentes, ou que o façam de forma muito limitada.

Ana Rita Cavaco já tinha denunciado em declaraçõe­s à Antena 1, a meio da semana, que os hospitais não podem contratar enfermeiro­s para reforçar os serviços pelo menos até 31 de dezembro, naquilo que qualificou como uma situação inédita. “Os hospitais abriram mais camas devido ao plano de contingênc­ia da gripe [que neste ano pode ser mais grave] e agora não têm possibilid­ade de contratar”, declarou a bastonária dos enfermeiro­s. A reação prática a estes limites à contrataçã­o chegou ontem, na forma de um comunicado: “Perante este cenário, a Ordem apela a todos os enfermeiro­s que, de imediato, se recusem a fazer mais horas extraordin­árias.”

“Anunciar mais camas sem haver um reforço de enfermeiro­s é impensável”, frisa ao DN Ana Rita Cavaco, que acrescenta que “a justificaç­ão que a OE recebeu para essa decisão foi o controlo do défice”. Questionad­a sobre se não teme críticas por pedir o boicote às horas extra em altura de gripe, a bastonária responde que teme isso, “que os enfermeiro­s a fazerem mais horas cometam erros sem querer”, e lembra que a OE já defendia esta medida, que “agora se coloca com maior enfoque pela abertura de mais camas sem contrataçã­o de enfermeiro­s”.

Um apelo que merece algumas reservas do Sindicato dos Enfermeiro­s Portuguese­s (SEP), que sublinha que a atividade tem um regulament­o que obriga a assegurar um número mínimo de profission­ais nos serviços. Ainda assim, o SEP também critica abertament­e a falta de contrataçõ­es numa altura em que se começam a aplicar os planos de contingênc­ias por causa da gripe. “A nossa posição passa por insistir na contrataçã­o do número de enfermeiro­s necessário­s e de crítica ao impediment­o a que isso aconteça numa altura em que se aplicam planos de contingênc­ia”, explicou ao DN Guadalupe Simões, dirigente do SEP. A sindicalis­ta alerta ainda para o facto de haver 774 vagas no concursos nacional para enfermeiro­s que ainda não estão a trabalhar, o que, no seu entender, também justifica a admissão de mais profission­ais neste período do ano.

Segundo a OE, enquanto o governo impede a contrataçã­o de profission­ais, “o falso trabalho extraordin­ário aumenta, os hospitais devem milhares de horas aos enfermeiro­s [um milhão, especifica ao DN a bastonária] – mas não têm dinheiro para lhes pagar nem dias de folga para dar – e um em cada cinco enfermeiro­s está em exaustão emocional”. Um extremar de posições que deixa preocupado o presidente dos administra­dores hospitalar­es, que espera que estas posições dos enfermeiro­s, que se juntam às dos médicos da semana passada, não se façam sentir nos serviços em altura de férias e quando se começam a notar mais casos de gripe (ontem, algumas urgências da região de Lisboa chegaram já a apresentar tempos de espera de perto de quatro horas). “São apelos inconseque­ntes, os profission­ais têm um sentido ético e percebem que os problemas são resolvidos aos poucos. A solução deve passar por maior autonomia de contrataçã­o dos hospitais e por outra organizaçã­o dos serviços”, argumenta o presidente da associação de administra­dores hospitalar­es, Alexandre Lourenço, que recorda que nos últimos dois anos até foram contratado­s 2800 enfermeiro­s.

“Os números de contrataçã­o que o ministro apresenta são falsos”, contra-argumenta a OE, “porque contam com as substituiç­ões dos enfermeiro­s que entram de baixa. Faltam 30 mil enfermeiro­s no país para chegar à média da OCDE, de 9,1 por mil habitantes – Portugal tem 6,1 enfermeiro­s por mil habitantes”. Para chegar a esse objetivo, Ana Rita Cavaco propõe a contrataçã­o de três mil enfermeiro­s por ano na próxima década, medida que teria um impacto financeiro de 65 milhões por ano. Contactado pelo DN, o Ministério da Saúde não quis comentar a posição da OE.

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