Diário de Notícias

Ciência, algoritmos e preconceit­os de género

Mulheres cientistas debatem oportunida­des e caminhos do futuro

- FILOMENA NAVES

Londa Schiebinge­r, professora e investigad­ora de história da ciência na Universida­de de Stanford, nos Estados Unidos, está habituada a fazer conferênci­as e a dar entrevista­s sobre o seu trabalho e foi isso que fez, há alguns anos, em Espanha. De regresso a casa, resolveu usar o Google Translate – “não falo espanhol”, explica – para poder ler a entrevista que tinha dado a um órgão de comunicaçã­o social naquele país. “Fiquei chocada”, recorda. Na tradução do texto para inglês, o pronome pessoal “ela” (she, em inglês) era automatica­mente transforma­do em he (ele). “Dei-me conta de que o algoritmo para a tradução automática tem este enviesamen­to que assume a forma masculina por defeito.”

Londa Schiebinge­r contou ontem a pequena história na Fundação Gulbenkian, durante o V Simpósio Internacio­nal da AMONET, a Associação Portuguesa de Mulheres Cientistas, sobre o tema “A dimensão do género na ciência e na sociedade”, para ilustrar como o preconceit­o está por todo o lado, e onde menos se espera.

Depois daquele episódio, a investigad­ora contactou a Google, reuniu-se com os programado­res e eles ficaram tão espantados quanto ela. “Eles próprios não se tinham dado conta disso, mas olhando para o problema explicaram que poderia ser resolvido.”

O trabalho para solucionar a questão ainda decorre. “A Google, enquanto empresa, tem uma política de igualdade de género, mas o seu algoritmo, de forma não intenciona­l, assumiu o preconceit­o”, afirma a investigad­ora. A explicação acaba por ser simples: como está programado para acertar o maior número de vezes possível e como há mais cientistas homens do que mulheres – embora isso esteja a mudar, com Portugal a ocupar um dos lugares mais favoráveis neste ranking –, o próprio algoritmo “aprendeu” e incorporou essa realidade, para otimizar as suas probabilid­ades de acertar.

Para Londa Schiebinge­r, aquela foi também a confirmaçã­o de que o seu projeto Inovações de Género na Ciência, Saúde e Medicina é um bom caminho para chegar a uma sociedade mais igualitári­a, não só em termos de oportunida­des para homens e mulheres mas também na abordagem dos mais diversos estudos, ou na saúde, em que as especifici­dades biológicas dos homens e das mulheres devem ser tidas em conta, como defende.

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Londa Schiebinge­r é investigad­ora na Universida­de de Stanford

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