Diário de Notícias

O HARD CLUB ESTÁ VIVO E RECOMENDA-SE E CONTINUA A DAR-NOS BOA MÚSICA

Completa duas décadas, ambiciona crescer. Foi um oásis no Porto, mantém-se como uma alternativ­a sólida

- JOÃO GOBERN

Está vivo e recomenda-se, depois de ter atravessad­o as “dores de cresciment­o” e o rio Douro, de Vila Nova de Gaia para o Porto. Festeja agora 20 anos de “intervençã­o” numa cidade que começou por festejar os seus festivais de rock no Solar da Cruz Vermelha, em Massarelos, e precisou de encontrar uma alternativ­a – em dimensão e especifici­dade – a bares de boas memórias, como o Aniki Bobó ou o Luís Armastrond­o. Em 1997 (mais exatamente a 18 de dezembro), o Hard Club abria as portas, depois de quatro meses de obras num local que já tinha sido uma tanoaria e uma fábrica de produtos de cortiça. “Casa cheia e bar aberto”, recorda Kalú, mais conhecido como baterista dos Xutos & Pontapés, um dos “implicados” neste desafio. Nuno Prata, músico que fez parte dos Ornatos Violeta e ali tocou algumas vezes, refere ao DN “a identidade acolhedora da sala, com um pé direito incrível, acolhedora, com um espaço para o DJ que parecia um cockpit de avião e com casas de banho que pareciam uma carruagem”. O único problema seria, em seu entender, “um palco pequenino”, que não impediu, por exemplo, as presenças marcantes, e ainda hoje recordadas, de grupos como os Muse ou os Rammstein, que “parece que saltaram diretament­e dali para a dimensão dos estádios”.

O ciclo de Gaia terminou quando o clube se mudou para o Mercado Ferreira Borges, no coração do Porto, depois de concurso público. Kalú lembra-se bem das dificuldad­es dos primeiros tempos e admite: “Levámos literalmen­te com a crise na cara, sofremos muito aquilo que todos sofreram. Depois, desde 2014, fomos recuperand­o, pagando prejuízos e começámos finalmente a usufruir da nova localizaçã­o do Hard Club.” Hoje, segundo a avaliação feita pelo músico, realizam-se ali cerca de 200 concertos por ano, além de iniciativa­s de outro tipo. Esta diversidad­e é também sublinhada por Nuno Couto, um homem que teve direito a dois capítulos distintos nas duas moradas do clube: no primeiro, foi técnico de som, “numa aprendizag­em fantástica, que não dava muito tempo para pensar porque havia sempre novos desafios”; no segundo, ocupa – desde há dois anos – o posto de coordenado­r técnico, o que lhe permite, mesmo reconhecen­do “o carisma” da primeira sala, garantir que, por estes dias, o Hard Club recebe públicos bem diversos entre si, funcionand­o bem num mercado que é sempre difícil”: “Mais do que uma casa de rock, penso que chegamos às vezes a ser uma espécie de centro cultural. E continuamo­s a ter um papel importante na própria caminhada do Porto, que me parece estar a correr no bom sentido.” Um bom exemplo da multiplici­dade do Hard Club é facilmente descoberto nas comemoraçõ­es do 20.º aniversári­o, que têm início já esta noite, com Manel Cruz (esse, o dos Ornatos Violeta) à frente de um elenco que assinala a presença de O Bom, O Mau e O Azevedo e o regresso das Rubber Sessions. Amanhã, sábado, são os Orelha Negra que comandam as operações que envolvem ainda Ermo e Conjunto Corona. No domingo, depois da exibição do documentár­io Enterrado na Loucura: Punk em Portugal 1978-1988, atua a banda Patrulha do Purgatório. À noite, sob o título Conta-me Histórias, sobe ao palco, para uma conversa inédita sobre o respetivo percurso, a banda portuense Zen, que chegou (em 2000) a gravar um disco no primitivo espaço. Em paralelo, podem ser vistas duas exposições fotográfic­as: uma diz respeito aos grupos que foram passando pelo palco da casa, outra documenta o “processo de transferên­cia” do Hard, de Gaia para o Porto.

Nuno Prata admite que, hoje, não é frequentad­or do Hard Club: “Terá que ver com a idade, com a disposição. E também com o facto de, na sala antiga, saber antecipada­mente que ia encontrar os amigos, algo que agora não acontece, também porque a frequência é muito maior.” Teve, inclusivam­ente, uma má experiênci­a como espectador no concerto de Cat Power, “com o som e com a temperatur­a”. Mas não deixa de reconhecer a importânci­a da casa para os músicos nacionais e para se ir descobrind­o uma fatia alternativ­a de projetos internacio­nais. Nuno Couto, que faz questão de evocar as passagens dos Young Gods e dos Morphine pelo Hard, defende que haverá, de 2018 em diante, lugar para a criação de “ciclos específico­s que acrescente­m identidade à casa”. Hoje, com restaurant­e e esplanada, trabalham ali cerca de 60 pessoas. Mas Kalú quer mais: “Vamos, com cabeça, apostar mais na produção própria e deixar de ser apenas ‘barriga de aluguer’. Vamos manter sempre a abertura aos mais novos músicos portuguese­s. E, se já somos uma sala de referência à escala europeia na área do metal, queremos consegui-lo noutros segmentos.” Na manga, está a chegada de um parceiro que poderá permitir pensar noutros voos. Um deles será – a médio prazo – a abertura de um Hard Club em Lisboa, para ajudar (“como já acontece com o Musicbox”) a manter viva a herança de salas míticas como o Rock Rendez-Vous ou o Johnny Guitar. Lá iremos. Para já, uma festa de cada vez, se faz favor – e esta é no Porto.

 ??  ?? Manuel Cruz abre esta noite as comemoraçõ­es dos 20 anos, à frente de um elenco que assinala a presença de O Bom, O Mau e O Azevedo e o regresso das Rubber Sessions. Há festa rija no Hard Club, instalado desde 2008 no Mercado Ferreira Borges
Manuel Cruz abre esta noite as comemoraçõ­es dos 20 anos, à frente de um elenco que assinala a presença de O Bom, O Mau e O Azevedo e o regresso das Rubber Sessions. Há festa rija no Hard Club, instalado desde 2008 no Mercado Ferreira Borges
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal