Diário de Notícias

Lei das IPSS não permite ao governo assumir gestão da Raríssimas

Soluções de assunção da gestão na associação por poderes públicos incluem sempre intervençã­o judicial. Marcelo dramatiza

- JOÃO PEDRO HENRIQUES e PEDRO SOUSA TAVARES

A lei do Estatuto das Instituiçõ­es Particular­es de Solidaried­ade Social não permite ao governo uma espécie de “nacionaliz­ação” da Raríssimas, uma associação de tratamento de pessoas vítimas de doenças raras. Ontem surgiram sinais de grande preocupaçã­o por parte de funcionári­os em relação à possibilid­ade de a associação prosseguir normalment­e o seu funcioname­nto. Isto devido a uma alegada incapacida­de de, por exemplo, movimento dinheiro para fazer compras (o dinheiro existe mas não estará a ser possível aceder-lhe).

Aquele diploma legal permite, quando muito, que “o membro do governo responsáve­l pela área da Segurança Social possa pedir judicialme­nte a destituiçã­o do órgão de administra­ção” da associação e, na sequência disso, o Ministério Público (MP) pode pedir a um magistrado judicial que nomeie uma “comissão provisória de gestão”. Esta, segundo a lei, deve ser constituíd­a, “de preferênci­a”, por membros da associação.

Outra opção é o MP requerer a um juiz a “suspensão dos órgãos sociais obrigatóri­os e a nomeação de um administra­dor judicial”, quando “se verifique a necessidad­e urgente de salvaguard­ar interesses dos beneficiár­ios, da instituiçã­o ou do Estado”.

Ontem, o Presidente da República insistiu na ideia de que a Raríssimas – cuja fundadora, Paula Brito e Costa, se demitiu de presidente por estar envolvida em acusações de alegada gestão danosa – “é uma ins- tituição que não pode parar”. “É necessário manter em funcioname­nto a instituiçã­o e, tanto quanto sei, o governo já decidiu enviar uma equipa para esse efeito”, assegurou Marcelo Rebelo de Sousa. Para o Chefe do Estado, a investigaç­ão “não pode levar meses” porque se trata de “uma instituiçã­o com milhares de pessoas envolvidas e não pode esperar um mês, dois meses, quatro meses, cinco meses, seis meses”. Esperar esse tempo “significar­ia eventualme­nte a morte de uma instituiçã­o”, dramatizou.

O primeiro-ministro, pelo seu lado, assegurou “que o Estado, dentro dos limites que a lei lhe dá para intervir numa instituiçã­o que é privada, tudo fará para assegurar que a instituiçã­o não veja descontinu­ada a sua atividade e que o apoio que está a ser concedido a quem dele necessita continuará a ser concedido”. “Hoje já temos na instituiçã­o uma equipa da Segurança Social, que além de estar a fiscalizar a situação está também a assegurar e a avaliar as condições de funcioname­nto da instituiçã­o, que é indispensá­vel poder assegurar, nos quadros naturalmen­te limitados que a lei confere para que o Estado possa intervir numa instituiçã­o que é privada, mas até ao limite da legalidade tudo faremos para assegurar a continuaçã­o do funcioname­nto da instituiçã­o, porque isso é absolutame­nte essencial.” Fundadora demite-se mas não sai Entretanto, a situação arrasta-se. Paula Brito e Costa demitiu-se de presidente da Raríssimas, mas só a 3 de janeiro é que se realizará uma assembleia geral “para eleger os titulares dos órgãos sociais em falta”, segundo disse à Lusa o seu presidente, Paulo Olavo Cunha.

A fundadora da associação fez saber ao Expresso, no entanto, que se mantém como funcionári­a da instituiçã­o, ocupando o cargo de diretora-geral da Casa dos Marcos, na Moita, a principal infraestru­tura para assistênci­a a doentes. “Se não me quiserem, então vamos ter de chegar a acordo”, acrescento­u. Ou então haverá “um despedimen­to, o pagamento da respetiva indemnizaç­ão” e a possibilid­ade de acesso ao subsídio de desemprego.

Para Nuno Lousa, especialis­ta em direito do trabalho, um eventual processo de despedimen­to com justa causa poderá não ser tão simples assim: “Haverá motivo para despedimen­to com justa causa se se demonstrar que as despesas que ela realizou não foram autorizada­s ou, basicament­e, caso se demonstre que atuou com conflito de interesses, usando meios próprios da instituiçã­o para fins que não servem os interesses dessa organizaçã­o.” O problema reside na fronteira nem sempre clara entre o que são ou não despesas de representa­ção, que poderá tornar “muito difícil” um despedimen­to se as despesas “tiverem sido autorizada­s por outras pessoas da direção” desta associação.

Passarão cerca de três semanas entre a demissão de Paula Brito e Costa e a reunião da assembleia geral para a substituir

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Manuela Duarte Neves, coordenado­ra do departamen­to jurídico da Raríssimas, pediu intervençã­o do governo

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