Lei das IPSS não permite ao governo assumir gestão da Raríssimas
Soluções de assunção da gestão na associação por poderes públicos incluem sempre intervenção judicial. Marcelo dramatiza
A lei do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social não permite ao governo uma espécie de “nacionalização” da Raríssimas, uma associação de tratamento de pessoas vítimas de doenças raras. Ontem surgiram sinais de grande preocupação por parte de funcionários em relação à possibilidade de a associação prosseguir normalmente o seu funcionamento. Isto devido a uma alegada incapacidade de, por exemplo, movimento dinheiro para fazer compras (o dinheiro existe mas não estará a ser possível aceder-lhe).
Aquele diploma legal permite, quando muito, que “o membro do governo responsável pela área da Segurança Social possa pedir judicialmente a destituição do órgão de administração” da associação e, na sequência disso, o Ministério Público (MP) pode pedir a um magistrado judicial que nomeie uma “comissão provisória de gestão”. Esta, segundo a lei, deve ser constituída, “de preferência”, por membros da associação.
Outra opção é o MP requerer a um juiz a “suspensão dos órgãos sociais obrigatórios e a nomeação de um administrador judicial”, quando “se verifique a necessidade urgente de salvaguardar interesses dos beneficiários, da instituição ou do Estado”.
Ontem, o Presidente da República insistiu na ideia de que a Raríssimas – cuja fundadora, Paula Brito e Costa, se demitiu de presidente por estar envolvida em acusações de alegada gestão danosa – “é uma ins- tituição que não pode parar”. “É necessário manter em funcionamento a instituição e, tanto quanto sei, o governo já decidiu enviar uma equipa para esse efeito”, assegurou Marcelo Rebelo de Sousa. Para o Chefe do Estado, a investigação “não pode levar meses” porque se trata de “uma instituição com milhares de pessoas envolvidas e não pode esperar um mês, dois meses, quatro meses, cinco meses, seis meses”. Esperar esse tempo “significaria eventualmente a morte de uma instituição”, dramatizou.
O primeiro-ministro, pelo seu lado, assegurou “que o Estado, dentro dos limites que a lei lhe dá para intervir numa instituição que é privada, tudo fará para assegurar que a instituição não veja descontinuada a sua atividade e que o apoio que está a ser concedido a quem dele necessita continuará a ser concedido”. “Hoje já temos na instituição uma equipa da Segurança Social, que além de estar a fiscalizar a situação está também a assegurar e a avaliar as condições de funcionamento da instituição, que é indispensável poder assegurar, nos quadros naturalmente limitados que a lei confere para que o Estado possa intervir numa instituição que é privada, mas até ao limite da legalidade tudo faremos para assegurar a continuação do funcionamento da instituição, porque isso é absolutamente essencial.” Fundadora demite-se mas não sai Entretanto, a situação arrasta-se. Paula Brito e Costa demitiu-se de presidente da Raríssimas, mas só a 3 de janeiro é que se realizará uma assembleia geral “para eleger os titulares dos órgãos sociais em falta”, segundo disse à Lusa o seu presidente, Paulo Olavo Cunha.
A fundadora da associação fez saber ao Expresso, no entanto, que se mantém como funcionária da instituição, ocupando o cargo de diretora-geral da Casa dos Marcos, na Moita, a principal infraestrutura para assistência a doentes. “Se não me quiserem, então vamos ter de chegar a acordo”, acrescentou. Ou então haverá “um despedimento, o pagamento da respetiva indemnização” e a possibilidade de acesso ao subsídio de desemprego.
Para Nuno Lousa, especialista em direito do trabalho, um eventual processo de despedimento com justa causa poderá não ser tão simples assim: “Haverá motivo para despedimento com justa causa se se demonstrar que as despesas que ela realizou não foram autorizadas ou, basicamente, caso se demonstre que atuou com conflito de interesses, usando meios próprios da instituição para fins que não servem os interesses dessa organização.” O problema reside na fronteira nem sempre clara entre o que são ou não despesas de representação, que poderá tornar “muito difícil” um despedimento se as despesas “tiverem sido autorizadas por outras pessoas da direção” desta associação.
Passarão cerca de três semanas entre a demissão de Paula Brito e Costa e a reunião da assembleia geral para a substituir