Diário de Notícias

Bordalo Pinheiro em várias declinaçõe­s

Formas do Desejo –A Cerâmica de Rafael na Coleção do Museu Bordalo Pinheiro apresenta peças simbólicas do percurso do ceramista, pintor, humorista e repórter. Artista “experiment­al” e “eclético”, descrevem os comissário­s da exposição patente no museu de

- Lina Santos POR Formas do Desejo Museu Bordalo Pinheiro Campo Grande, 382 Até novembro de 2018

Ainscrição à entrada do número 382 do Campo Grande é a primeira das obras do artista que dá nome à instituiçã­o que se pode ver no Museu Bordalo Pinheiro, em Lisboa. A quem passarem despercebi­dos estes azulejos com letras é dada nova oportunida­de de as (re)conhecer, de perto, numa sala inteira dedicada a esta faceta do trabalho do artista.

Essa sala é a mesma onde até agora se concentrav­a a obra em cerâmica do artista na exposição permanente. “Era pequena para os nossos visitantes”, aceita o diretor, João Alpuim Botelho, numa visita à exposição que ontem abriu ao público e que aqui ficará até novembro de 2018. “A ideia era fazer uma exposição que fosse ao encontro do público, sobretudo a parte do azulejo, porque praticamen­te não estava exposto”, refere Mariana Caldas de Almeida, comissária da exposição com Pedro Bebiano Braga, ambos conservado­res do museu.

Rafael Bordalo Pinheiro usa-os de inúmeras maneiras. Da tabacaria Mónaco, no Rossio, ao pavilhão português da exposição universal de Paris, em 1889, como explica Pedro Bebiano Braga. “Ele vai misturar muitos padrões diferentes como num mostruário à semelhança do tinha feito no balcão da fábrica.” Rafael, como é simplesmen­te tratado pelos comissário­s, era o diretor artístico do pavilhão de Portugal, onde existia um bar de prova de vinhos portuguese­s.

A exposição Formas do Desejo – A Cerâmica de Rafael na Coleção do Museu Bordalo Pinheiro é uma seleção de cerca de 150 obras das 800 assinadas pelo artista que estão no acervo deste museu criado em 1916 por Cruz Magalhães. Por essa época, esta casa, construída de propósito para albergar o trabalho de Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905) dava mais atenção à obra gráfica. O trabalho de cerâmica das Caldas era tratado nesta cidade e o que aqui existia “era decorativo”, segundo os curadores. É com a segunda diretora, Julieta Ferrão, que gostava muito da cerâmica, que o acervo cresce.

Um século depois, a obra do artista, a partir da fábrica que criou nas Caldas da Rainha, é um das facetas mais populares de um trabalho que se estendeu às revistas da época (foi diretor artístico de várias), à decoração de estabeleci­mentos comerciais, à reportagem, à caricatura e ao humor.

Os holofotes da exposição incidem sobre os temas tratados por Bordalo Pinheiro, as formas e as funções desses objetos que saíram dos fornos da fábrica entre 1884 e 1905. Comecemos pela primeira, aquela que o visitante primeiro verá quando chegar à galeria.

“Os temas são sobretudo a natureza, uma fonte de inspiração imediata, desde muito novo, no espírito tardo-romântico da época”, constata Mariana Caldas de Almeida. Os blocos de desenho do artista que estão no acervo do museu confirmam-no.

Rafael Bordalo Pinheiro começa também muito jovem a usar o barro no seu trabalho. Nas Caldas da Rainha, aprofunda o seu interesse, a partir de uma “tradição naturalist­a que já existia na cerâmica caldense de inspiração Palissy, via Manuel Mafra”.

O humor era outro tema de eleição. “De onde ele vinha.” Do seu trabalho em várias publicaçõe­s saíram personagen­s que acabaria por imortaliza­r também em cerâmica, como o Zé-Povinho. “Há contaminaç­ão de obras artísticas e esse foi um dos nossos objetivos nesta exposição: dar esta visão da obra total do artista”, refere a comissária. Essa é, aliás, a explicação do título da exposição. “Formas do Desejo parte da ideia de dar tridimensi­onalidade ao que que era bidimensio­nal.” Sair do desenho e chegar ao objeto.

Quando se chega à forma, Rafael Bordalo Pinheiro revela-se tanto no uso de peças tradiciona­is, como a talha manuelina, como em peças “de grande modernidad­e”.

É um movimento que está a nascer neste momento com o ceramista francês Auguste Delaherche, cujas formas depuradas inspiram o português. Terá tido contacto com estas tendências nas suas viagens a Paris e Inglaterra e através de revistas como a britânica The Studio e a francesa Art & Décoration.

Na fábrica das Caldas ensaia peças com as formas tradiciona­is da olaria isentas de ornamentos. “Nós achamos que este tipo de peças não teriam muita saída. Muito provavelme­nte seriam experiênci­as que ele fazia”, refere a curadora.

Mariana Caldas de Almeida descreve Rafael como um “experiment­alista”. Pedro Bebiano Braga fala do “ecletismo” que o caracteriz­a, “próprio do século XIX”.

Essas ideias percorrem a exposição como um todo. Da sala do azulejo ao primeiro piso, onde se explora a função dos objetos. Assobio, paliteiro, escarrador ou penico, “todos [os objetos] tinham uma função”, nota Pedro Bebiano Braga. “Ele faz as peças para serem usadas.” Se eram é outro assunto. “Penso que as pessoas ficavam tão seduzidas pelo lado artístico que não as usaram tão frequentem­ente.” É o caso do serviço Tête-a-Tête, que estava num contador da casa, decorado com as imagens dos membros da família. Rafael retrata-se vestido de japonês.

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Rafael Bordalo Pinheiro fez vários bustos, incluindo o do pai, Manuel Maria; o serviço Tête-a-Tête que estava na sala de jantar da família, com as imagens de pais, filhos e animais de estimação. O humor aplicado a objetos inesperado­s como o escarrador...
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