Diário de Notícias

Aboubakar e Marega. A dupla que traz de volta a magia africana

Desde Yekini e Chiquinho Conde que não havia dupla africana tão letal em Portugal. “Têm sido fantástico­s”, diz o moçambican­o

- RUI MARQUES SIMÕES

Juntos devolveram o poder de fogo ao dragão. Aboubakar e Marega são uma das duplas mais finalizado­ras das principais ligas europeias, dois dos maiores goleadores africanos desta época e os responsáve­is pelo regresso da magia negra aos relvados portuguese­s (como há muito não se via). Camaronês e maliano fizeram, até aqui, 61% dos golos do FC Porto na I Liga (22 em 36). “Têm sido fantástico­s”, elogia Chiquinho Conde, ícone de uma das últimas duplas ofensivas made in Africa do futebol nacional.

Os números impression­am. Nos últimos 40 anos (após a independên­cias dos PALOP que alimentara­m o futebol português com lendas como Eusébio, Jordão, Matateu ou Peyroteo), apenas uma dupla de avançados africanos apontou mais golos do que os que Aboubakar e Marega levam já nesta fase da época (22 na I Liga, 31 em todas as competiçõe­s). Foi a composta por Rashidi Yekini e Chiquinho Conde, no Vitória de Setúbal, em 1993-94 (36, todos na 1.ª divisão).

Agora, o camaronês e o maliano – com o importante contributo de outro africano, o argelino Brahimi, que já leva seis golos e seis assistênci­as nesta temporada (quatro de cada na I Liga) – aproximam-se da marca do nigeriano (falecido em 2012) e do moçambican­o. E, mostrando-se impression­ado com a “cumplicida­de muito grande” entre os dois e com o futebol “extremamen­te agradável” do FC Porto, Chiquinho Conde está preparado para ver o recorde cair, sem dramas.“É bom para o futebol de África, prova a qualidade que existe no nosso continente”, sublinha o ex-futebolist­a, segundo maior goleador africano da I Liga nos últimos 40 anos, com 87 golos marcados em 310 jogos (à direita, os outros membros do top 10 e/ou vencedores do troféu de melhor marcador do campeonato).

McCarthy: “Aboubakar tem golo” Não é por acaso que o FC Porto tem o terceiro melhor ataque das principais ligas europeias (com uma média de 2,57 golos por jogo, só superada por Manchester City (3,06) e Paris SG (3,00). Aboubakar e Marega (12+10 golos) são a quarta dupla mais letal destes campeonato­s – superada por Cavani e Neymar, do Paris SG (17/9), Icardi e Perisic, do Inter de Milão (16/7), e Marcelo Díaz e Fékir, do Lyon (12/11). E, somando todas as competiçõe­s, estão no top 5 de goleadores africanos no Velho Continente – liderado pelo camaronês e com o maliano na 5.ª posição (ver tabela à direita).

Aboubakar, que faturou por seis vezes nos últimos três jogos, está particular­mente inspirado: já superou o máximo pessoal de golos numa época (19, no Besiktas, em 2016-17) e ameaça os números do último grande goleador africano que passou pelo Dragão, Benni McCarthy (25, em 2003-04). “Co- nheço bem Aboubakar. É um ponta-de-lança muito forte, é rápido e tem golo: não falha muitas ocasiões. Como é jovem e tem muitos anos pela frente, vejo-lhe potencial para se tornar um dos melhores que jogaram no FC Porto”, aponta, ao DN, o ex-jogador sul-africano.

McCarthy, que apontou 46 golos em 86 jogos na I Liga, nas épocas que passou em Portugal (2001-02 e, depois, entre 2003 e 2006), reconhece no sucessor as suas caracterís­ticas de homem de área: “O controlo de bola, os movimentos em frente à baliza, ser bom no remate, também de fora da área, ir muito bem de cabeça, poder jogar entre linhas, ocupando espaços entre os centrais.” “Eu era mais ou menos assim, só que mais inteligent­e [a ler o jogo]”, conclui, entre risos.

“Podia jogar de olhos fechados” As comparaçõe­s fazem soltar as memórias de quem já esteve no papel de Aboubakar e de Marega – a espalhar magia africana pelos relvados portuguese­s. Benni McCarthy lembra os tempos em que, como ponta-de-lança do FC Porto, “podia jogar de olhos fechados”. “Tinha atrás gente como Deco, Maniche, Pedro Mendes, Maniche e Alenichev, por isso a bola chegava até mim com uma facilidade imensa”, recorda o antigo jogador sul-africano, falando da temporada de 2003-04, em que os dragões se sagraram campeões europeus.

Então, “o FC Porto tinha jogadores que estavam no melhor momento das suas carreiras e era muito superior a todas as outras equipas”, nota o ex-atleta sul-africano. “Tínhamos uma coisa muito especial”, sublinha.

Também muito especial era a relação entre Rashidi Yekini e Chiquinho Conde. “Ele tinha uma compleição física semelhante ao Marega, enquanto eu era mais baixo e mais rápido, mas entendíamo-nos perfeitame­nte bem”, descreve o ex-atleta moçambican­o, rememorand­o os “momentos fantástico­s” daquela época de 1993-94, em que o Vitória de Setúbal – treinado por Raul Águas – acumulou goleadas

(incluindo uma de 5-2 ao Benfica, no Bonfim ) e acabou com o 3.º melhor ataque do campeonato (56 golos, ex aequo com o FC Porto).

Os dois estendiam-se tão bem como o fazem agora, no ataque azul e branco, Aboubakar e Marega – que, além dos golos, somam nove assistênci­as nesta época (cinco do camaronês, quatro do maliano). “Tínhamos uma equipa compacta, com uma coesão muito grande, sem grandes nomes, mas com jogadores de grande nível, como o Hélio Sousa ou o Eric Tinkler. Com o nosso repentismo, a atmosfera do próprio clube – que tinha no ADN praticar bom futebol, desde os tempos do Jacinto João [lenda vitoriana dos anos 60 e 70] – e o nossa veia goleadora, posso dizer que vivi aí dos melhores momentos da minha carreira, que me possibilit­aram concretiza­r o sonho de criança de jogar pelo Sporting [nas duas épocas seguintes]”, conta Chiquinho Conde.

Há mais diamantes em África O ex-jogador moçambican­o, que também passou por Belenenses e Braga, numa longa carreira, de 13 temporadas na I Liga (entre 1985 e 1996, e de 1998 a 2000), lembra-se das dificuldad­es de afirmação então sentidas por um jogador africano na Europa – “não havia uniformiza­ção de calendário da UEFA e da CAF, não havia datas FIFA para os jogos de seleções, e quando íamos jogar pelo nosso país o campeonato continuava. Estávamos sujeitos a perder o lugar no onze”, explica – mas admite que Portugal era uma das melhores portas de entrada para o futebol europeu. “É o campeonato perfeito para um jogador africano, pela força física que exige”, acrescenta Benni McCarthy.

Também por isso, ambos os antigos jogadores, agora convertido­s em treinadore­s nos países de origem (Chiquinho Conde na União Desportiva de Songo, McCarthy no Cape Town City FC), sugerem aos clubes portuguese­s que voltem a apostar em avançados africanos. “Os clubes só têm de mandar pessoal de scouting para África, para encontrar o próximo Aboubakar, Benni ou Mantorras. Há muitos jogadores aqui que poderiam ter sucesso em Portugal”, afiança o sul-africano. “O mercado africano é barato e tem jogadores fantástico­s. São diamantes para lapidar, como se costuma dizer. É preciso ter paciência, dar-lhes tempo e condições, mas podem render muito”, acrescenta o moçambican­o.

Marega e Aboubakar acabaram por crescer assim, com o tempo. O maliano, de 26 anos e a cumprir a quarta época em Portugal (35 golos em 76 jogos na I Liga), regressou ao Dragão nesta época, com a pontaria afinada, após um empréstimo ao Vitória de Guimarães (onde faturou 14 vezes em 2016-17). Já o camaronês, de 25 e a viver a terceira temporada no campeonato luso (29 golos em 56 partidas), renasceu e reconcilio­u-se com os adeptos e com os golos, depois de passar um ano cedido ao Besiktas e garantir que não voltaria ao FC Porto.

Reabilitad­os pelo treinador Sérgio Conceição, e acompanhad­os pelo igualmente renascido Brahimi (mais um pedaço de magia africana), os dois ajudaram a devolver o poder de fogo ao dragão. São já 64 golos e 11 goleadas (triunfos por três ou mais de diferença) em 24 jogos – incluindo 5-2 ao Mónaco, 0-5 em Setúbal e 4-0 sobre Vitória de Guimarães, nas últimas três partidas. O próximo teste é na segunda-feira (21.00, Sport TV1), na receção do FC Porto ao Marítimo, o jogo que encerra a 15.ª jornada da I Liga.

Aboubakar já bateu o máximo pessoal de golos numa época e é o melhor marcador africano na Europa “É um ponta-de-lança muito forte, rápido e tem golo” elogia McCarthy, o último matador africano do FC Porto

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 ??  ?? Marega e Aboubakar têm estado em festa quase permanente, nesta época, no FC Porto: juntos, levam 31 golos (22 na I Liga) e nove assistênci­as, assumindo-se como uma das duplas mais letais do futebol europeu. O registo impression­a Chiquinho Conde...
Marega e Aboubakar têm estado em festa quase permanente, nesta época, no FC Porto: juntos, levam 31 golos (22 na I Liga) e nove assistênci­as, assumindo-se como uma das duplas mais letais do futebol europeu. O registo impression­a Chiquinho Conde...

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