Mulherzinhas, um ano na vida das irmãs March
Teatro. Dez atores, entre os 7 e os 17 anos, levam à cena, no Cinema São Jorge, em Lisboa, um dos maiores clássicos da literatura infantil
O rebuliço é grande no palco da sala 2 do Cinema São Jorge, em Lisboa. A viagem no tempo tem como destino o ano de 1863, na América, em plena guerra civil. Há uma família que aguarda ansiosamente a chegada do pai e marido da guerra, mãe e quatro filhas eternizadas num dos maiores clássicos da literatura infantil. Depois de estar em cena no Teatro da Malaposta, o grupo de teatro infantil Animarte pisa pela primeira vez o palco do São Jorge, na próxima terça- feira, para contar a história de Mulherzinhas, um dos primeiros romances realistas ado- lescentes assinado por Louisa May Alcott e publicado em 1868.
A história percorre um ano das irmãs March, entre Natais, quando as quatro adolescentes da classe média vivem com a mãe e a ama enquanto o pai, capelão, está ausente na guerra. Ao longo da obra, assiste- se ao crescimento das quatro meninas, onde aprendem que cada episódio da vida as torna diferentes de dia para dia. Embora os factos tenham cerca de 150 anos, a atualidade da história mantém- se.
Considerado como uma obra de emancipação feminina e uma autobiografia de Alcott contra as normas sociais da época e a falta de direitos das mulheres, a obra retrata a altura em que “tudo o que possuíam, até os filhos, pertencia aos maridos”, como conta a voz da narradora pouco antes de a ação começar. No sofá da sala, na véspera de Natal, Meg, Jo, Beth e Amy já estão sentadas a coser uma manta. Queixam- se das dificuldades por aqueles dias e lamentam a sua pobreza. O futuro não parece auspicioso para a família, muito menos para as meninas confinadas ao espartilho doméstico. Se ainda fossem rapazes, talvez pudessem ir para a faculdade.
“Oh Amy, tu realmente és a mais coitada de todas!”, ri- se uma das irmãs. E a ama contrapõe. “Vocês são meninas de muita sorte, pensem em tudo o que têm!” Sofia Espírito Santo, à frente do Animarte, adverte para a importância do texto, como uma passagem de testemunho para os mais pequenos de agora. “Antigamente não havia um plano nacional de leitura, e, naturalmente, obras como o Tom Sawyer, Oliver Twist, ou os Desastres de Sofia, eram- nos passados pelas nossas mães e avós, hoje em dia os miúdos não têm acesso a elas”, aponta, enquanto observa um paralelo com a realidade quotidiana. “É verdade que hoje muitas famílias passam o Natal separadas, tal como esta família, há muitos pais a trabalhar fora, esta coisa de acreditar num amanhã melhor e lutar por isso é sempre atual.” Ensaios sem negativas Entre os dez atores que compõem o elenco, a mais nova é Matilde Ferreira, que segue os passos da mãe desde bebé. “A Matilde tinha 6 meses e já estava nos bastidores do teatro, não há como escapar”, ri- se a encenadora. Sete anos de gente, duas tranças, um vestido cor- de- rosa e o palco é seu. “A parte mais difícil é decorar as falas longas”, revela Matilde que faz de Amy. “Ela às vezes é um bocadinho má!”, diz, enquanto brinca com o colega Diogo Almeida, o ator mais velho com 17 anos. Em Mulherzinhas, é John Brook.
Conciliar escola e teatro não é tarefa fácil, mas a líder do Animarte não baixa a guarda e é a própria quem supervisiona os resultados dos atores que também são alunos. “Há regras, ninguém pode ter negativas e há uma média escolar para cumprir. Têm de me mostrar as notas. Temos pessoas que já tiveram de sair, naturalmente, compreendo que não têm de ser bons a tudo, mas se são bons para decorar texto ou aprender a dançar, então têm de fazer um esforço para cumprir os requisitos escolares”, explica.
Já Beatriz Monteiro, que deu os primeiros passos na representação em Chiquititas e Floribella na televisão, e atualmente a estudar teatro em Londres, não conseguiu recusar o convite quando Sofia lhe disse que precisava de uma “mãe” para Mulherzinhas. “Só cheguei aos ensaios agora, mas consegui preparar a personagem à distância para estar bem estruturada. A cena mais ‘ deliciosa’ do espetáculo é um pedido de casamento que solta emoções reais. “A atriz cora e isso é maravilhoso, já lhe disse para não deixar de corar!”, termina Sofia.