Diário de Notícias

Humildade e trabalho. As qualidades e os segredos de Varela

Benfica. Quem priva com ele é unânime na descrição do guarda-redes. Viagem do sonho à realidade com escala em Espanha e Setúbal

- DAVID PEREIRA

Para quem tem privado com Bruno Varela, desde o aparecer e desabrocha­r no Ponte Frielas até ao ano sem jogar no Valladolid, há duas palavras que são unânimes na caracteriz­ação pessoal e profission­al do guarda-redes que venceu a desconfian­ça e conquistou um lugar na baliza do Benfica: humildade e trabalho.

Oriundo de uma família de cabo-verdianos de poucas posses, nasceu de cesariana a 4 de novembro de 1994 e desde cedo acompanhou a paixão dos familiares pelo emblema da águia. Mas antes de ter chamado a atenção do clube encarnado, começou a dar os primeiros passos no futebol no União Desportiva Ponte Frielas, perto da zona onde residia, Santo António dos Cavaleiros, no concelho de Loures. A mãe, Joana Semedo, foi quem o inscreveu e, conforme admitiu numa recente entrevista à BTV, passou fome para lhe comprar equipament­os e chuteiras. “Chegou ao clube com 7 ou 8 anos, e era um miúdo introverti­do, calado e pacato. Alguns amigos dele morreram e outros foram presos, mas ele cumpriu o sonho”, começou por contar João Sequeira, presidente da coletivida­de há mais de meio século, ao DN. Encostava-se ao poste “Queria ser avançado, mas faltava um guarda-redes e o treinador, que era o Virgílio, que jogou no Sporting, meteu-o na baliza. Viu que ele era alto e não tinha jeito para jogar à frente”, acrescento­u o dirigente, recordando uma boa reação de Bruno Varela à mudança. “Reagiu bem e ainda hoje é extremamen­te humilde. Quando a bola estava longe, encostava-se ao poste e dizia ao treinador para estar tranquilo. Sempre que fala, fala no Ponte Frielas. É muito carinhoso e nosso amigo. É um bom jogador e um bom rapaz”, vincou o líder do Ponte Frielas, clube que vai levar a cabo um torneio internacio­nal em fevereiro. Nené levou-o para o Benfica Benfiquist­a desde pequenino, chegou ao clube do coração aos 11 anos, após ter cativado o antigo jogador encarnado Nené. “Num torneio em que o Benfica entrou, o Bruno jogou contra o Benfica e fez uma grande exibição. Foi fazer testes e ficou”, recordou ao nosso jornal o tio do guardião, Domingos Semedo, que fez carreira no futebol em divisões secundária­s. “O Nené foi buscá-lo e disse que o Varela seria o futuro guarda-redes do Benfica. E ele tem provado, apesar das injustiças, que merece o lugar”, adiantou João Sequeira, que lhe chamava o homem do saco. “Ele levava o equipament­o num saco enorme, superior à volumetria dele”, justificou, nostálgico.

Nos primeiros tempos de águia ao peito, Varela ia para o Seixal de transporte­s públicos. “Num dia, houve greve e ele não podia ir ao Seixal, então pediu para treinar no Ponte Frielas. Chegou ao treino mas não se identifico­u ao treinador como jogador do Benfica, tal a sua humildade. No final, o treinador veio ter comigo a dizer que queria ficar com ele”, contou o presidente do clube de Loures, que também projetou o guarda-redes Beto. Depois, o guardião foi viver para o centro de estágios, o que agradou à família. “Foi bom, pois viajar todos os dias era perigoso. Sabíamos que ficava bem entregue. Continuou a estudar e fez o 12.º ano, apesar das ausências forçadas para representa­r as seleções”, contou Domingos Semedo, que relembrou que nem tudo foram rosas para Bruninho, como é tratado no seio familiar: “Ele teve alturas difíceis, em que estava tapado por José Costa e José Sá. Não jogava muito, mas sempre que jogava mostrava serviço. Agarrou a titularida­de no primeiro ano de juvenil e nunca mais a largou. Conseguiu conquistar o seu espaço.”

Nesta fase, Varela conheceu aquele que viria a tornar-se um dos seus melhores amigos no futebol, Pedro Rebocho, com quem partilhou casa, juntamente com Hélder Costa. “Conheci-o quando eu tinha 13 ou 14 anos. Ele é um ano mais velho, mas fez um torneio connosco nessa altura e só passámos a jogar com regularida­de na mesma equipa nos juniores e nos bês. Era e é uma pessoa extremamen­te humilde, com vontade de ser o que é hoje e um rapaz brincalhão. Cinco estrelas”, descreveu o lateral dos franceses do Guingamp, que recorda a alcunha de Eddie Murphy implementa­da pelo treinador Bruno Lage e os penteados extravagan­tes do ex-companheir­o.

“Ele dava o máximo para evoluir em cada treino. Saía muito mais suado do que um jogador de campo”, recorda Pedro Rebocho

Rebocho considera o guarda-redes “muito forte no um para um, grande, muito móvel na baliza e seguro” e salienta o empenho do atual dono da baliza encarnada durante os treinos. “Ele dava o máximo para evoluir em cada treino e em cada jogo. Saía muito mais suado do que qualquer jogador de campo”, frisou o defesa, que justifica a ultrapassa­gem da perda da titularida­de no Benfica com a “autoconfia­nça” que o antigo colega tem. “Continua a trabalhar e a aproveitar as oportunida­des. Num clube grande, a exigência é enorme e cada jogo é uma prova de fogo. Ele trabalha sempre da mesma forma, jogando ou não”, vincou o internacio­nal sub-21, que puxou a cassete atrás para dar um exemplo do bom humor de Varela. “O Cafú tinha umas luvas de boxe e um dia ele, o Varela e o André Gomes lembraram-se de calçar as luvas e vir ao nosso quarto para fazer de mim, do Nélson Monte, Raphael Guzzo e João Gomes uns autênticos sacos de boxe. Éramos mais novos e muito gozões, e eles gostavam de vir para cima de nós”, recordou.

A boa disposição do Seixal, contudo, terminaria no verão de 2015, quando Bruno Varela – acabado de ser pai de um menino – foi emprestado ao Valladolid, clube pelo qual só jogou um encontro, o último daquela época de 2015/16. “No início, foi muito complicado. Foi para lá quase no último dia das inscrições, quando já estávamos a ver que ia ficar sem colocação. Evoluiu muito lá, apesar de ter jogado pouco. A concorrênc­ia era forte e ganhou experiênci­a, que lhe está a valer agora. E sempre jogava nos sub-21, o que equilibrou as coisas”, disse o tio Domingos Semedo, de 34 anos, que lhe emprestava as botas. As francesinh­as em... Espanha No país vizinho, Varela contou com o apoio do compatriot­a André Leão, que jogava naquela equipa da II Liga espanhola. “Ele teve muito azar com o guarda-redes que apanhou, o Kepa, que está a ser apontado ao Real Madrid e tinha a vantagem de ser espanhol. Mas o Bruno trabalhava muito bem nos treinos, passou essa fase a pensar no Europeu sub-21 e no ano seguinte explodiu no Vitória de Setúbal”, recordou o atual médio do Paços de Ferreira, de 32 anos.

“Ele é muito humilde e ligado à família. Como guarda-redes, é muito confiante, por vezes demasiado, e quando falha fica um bocado abalado. Isso aconteceu-lhe no Benfica. Ficámos amigos, falamos todas as semanas e as nossas esposas dão-se muito bem”, acrescento­u o centrocamp­ista pacense, que fez o guardião ganhar uma nova paixão gastronómi­ca: “Ele adora francesinh­as. Comia muito quando vinha a minha casa, e antes não comia.” Estreia na I Liga... na Luz Após um ano sem jogar em Espanha, Bruno Varela assinou a título definitivo pelo V. Setúbal. Perdeu a 1.ª jornada do campeonato 2016/17 por estar nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, mas nem o bom início de época de Pedro Trigueira impediu que o jovem internacio­nal português assumisse a titularida­de no jogo seguinte... frente ao Benfica, no Estádio da Luz, naquela que foi a estreia do atual guarda-redes encarnado na I Liga, ajudando os sadinos a alcançar um empate a um golo. “Foi bom para ele. Sabíamos que ele ia estrear-se na I Liga. Foi um orgulho vê-lo jogar no V. Setúbal, um clube grande em Portugal. Ajudou os colegas e conseguira­m a manutenção”, vincou Domingos Semedo, acerca da etapa que antecedeu a concretiza­ção do sonho.

“Qualquer miúdo da formação sonha com isto. O sonho dele é jogar todos os fins de semana pelo Benfica e fazer grandes jogos. Era criticado por fazer jogos normais, mas agora sabe que tem de fazer mais em cada jogo para jogar sempre”, rematou o tio.

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